"Nasceu a 6 de Fevereiro de 1608 em Lisboa. Aos seis anos foi para o Brasil. Lá aprendeu das primeiras letras à filosofia e teologia. Ingressou na Companhia de Jesus muito novo. As suas qualidades como orador fizeram-se notar muito cedo. Foi amado e odiado por muita gente. Denunciou muitas injustiças, defendeu os índios. Irritou colonos e o Santo Ofício.
Fez algumas viagens pela Europa. Esteve ligado à colónia de judeus portugueses em Amesterdão. Viveu em Roma onde a rainha Catarina da Suécia, lá exilada, o quis para confessor.
Numa dessas viagens, saiu num navio do Maranhão em Junho de 1654. Sessenta dias mais tarde, avistaram a ilha do Corvo perto da qual uma tempestade fez naufragar o navio. Um corsário holandês resgatou as quarenta e uma pessoas, tendo roubado os papéis e livros de António Vieira que mais tarde os tentou recuperar através de um judeu amigo. Nove dias depois, deixaram essas passageiros na ilha da Graciosa onde permaneceram durante dois meses. António Vieira passou depois à ilha Terceira, tendo ficado hospedado no Colégio de Angra. Passou a seguir para S. Miguel onde ficou no Colégio de Ponta Delgada. Em Angra, instituiu a devoção do Rosário. Em Ponta Delgada também deixou o hábito de rezar o Terço e em 15 de Outubro fez um sermão na festa de Santa Teresa.
Nesse sermão, António Vieira descreve o naufrágio perto da ilha do Corvo. “Obrigado da tempestade e do naufrágio chegou S. Paulo à ilha de Malta e do que ali pregou o apóstolo tiveram princípio aquelas luzes com que hoje alumia e se defende a igreja. Bem conheço quão falto estou de eloquência e muito mais do espírito de S. Paulo, mas na ocasião e nas circunstâncias presentes, ninguém me poderá negar uma grande parte de pregador, que é chegar a esta Ilha vomitado pelas ondas. (...) Mas era Jonas um pregador vomitado das ondas. Pregava nele a tempestade, pregava nele a baleia, pregava nele o perigo, pregava nele o assombro, pregava nele a mesma morte, de que duas vezes escapara./ Por certo que não foi tão grande a tempestade de Jonas como a em que eu e os meus companheiros nos vimos. O navio virado no meio do mar e nós fora dele pegados ao costado, chamando a gritos pela misericórdia de Deus e da sua Mãe. Não apareceu ali a baleia que nos tragasse, mas apareceu, não menos prodigiosamente naquele ponto, um desses monstros marinhos que andam infestando estes mares: ele nos tragou e vomitou depois em terra. (...) em terra onde o fogo é mais poderoso que o mesmo mar oceano, e levanta no meio dele ilhas, e desfaz ilhas (...)."[1]
Além dos Sermões, obra-prima da literatura portuguesa, António Vieira escreveu dois livros: A História do Futuro[2] e Clavis Prophetarum (A Chave dos Profetas) onde expõe as suas crenças futuristas, fonte dos sebastianismos e nacionalismos quinto-imperiais que ao longo dos séculos se desenvolveram. A Clavis Prophetarum é considerada pelo seu tradutor, trezentos anos depois, Arnaldo Espírito Santo, “a cúpula das suas obras”. A Biblioteca Nacional editou esta obra em 1999-2000.
A obra de António Vieira revela a transição do período do Renascimento para o Barroco, e é naturalmente paradoxal. Vale a pena ler a obra deste escritor a quem Fernando Pessoa, na Mensagem, chamou “Imperador da Língua Portuguesa”.
[1] VIEIRA, Padre António, Sermões, T. VII, Lisboa, 1854-1858, pp.86 a 90.
[2] VIEIRA, António, História do Futuro, introdução, actualização do texto e notas por Maria Leonor Carvalhão Buescu, Biblioteca de Autores Portugueses, 2ª edição, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Lisboa, Janeiro, 1992.
( Maria Eduarda Rosain, in Tribuna das Ilhas, 8 de Fevereiro de 2008)
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
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