sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Vieira e o Novo Mundo

Quando celebramos o 4.º centenário do nascimento do Padre António Vieira será redundante elaborar sobre a sua figura e a sua obra. Outros o têm feito com talento e conhecimento de causa, designadamente nas páginas deste jornal. Limitar-me-ei por isso tão-somente a lembrar o quanto a Língua Portuguesa ficou a dever ao autor dos famosos ‘Sermões’ e ‘Cartas’. Quem, nas gerações mais velhas, não se recordará por exemplo das impressionantes passagens do ‘Sermão de St.º António aos Peixes’ que se estudavam no Liceu?

Mas é justo evocar também as campanhas de António Vieira em defesa dos escravos e das populações indígenas do Brasil, país onde esse insigne jesuíta lisboeta viveu 52 anos da sua longa existência. Tal como merece ser lembrada a sua acção diplomática em França, na Holanda e na Itália ao serviço da Coroa. E se nem sempre Vieira conseguiu atingir os objectivos que lhe foram confiados não terá sido certamente por falta de esforço e dedicação. Aliás, a sua erudição e os seus dotes literários e oratórios só podiam ter contribuído para reforçar a boa imagem e o respeito por Portugal nas capitais da Europa onde exerceu a sua enviatura.

Há porém um facto menos conhecido, originado no continente americano, que se prende com as críticas feitas por sóror Joana Inês de la Cruz, uma contemporânea mexicana do Padre António Vieira. Sóror Joana foi uma religiosa de grande cultura que se distinguiu como poetisa e dramaturga e que exerceu uma apreciável influência no México, então colónia espanhola. Ora, sendo conhecedora e admiradora da obra do Padre António Vieira, sóror Joana não deixou de refutar algumas concepções teológicas do orador português, dando origem a uma curiosa controvérsia. De um modo muito resumido a questão foi a seguinte: enquanto Vieira defendia que o maior feito de Cristo tinha sido amar a Humanidade, a monja mexicana alegava que o maior feito de Cristo havia sido morrer na cruz pelo Homem. Esta polémica poderá parecer-nos hoje anacrónica mas não devemos esquecer que o preciosismo do barroco setecentista atingia também as questões religiosas.

(F. Falcão Machado, Embaixador de Portugal no México . Correio da Manhã 8.2.08)