O Padre António Vieira (1608-1697) foi personalidade marcante do século XVII, tanto em Portugal como no Brasil. Fernando Pessoa apelidou-o, inclusivamente, de “Imperador da Língua Portuguesa”. Ao longo dos seus 89 anos de vida, atravessou inúmeras vezes o Oceano Atlântico e percorreu milhares de quilómetros em terras brasileiras. Missionário e diplomata, também considerado um percursor da defesa dos direitos humanos (bateu-se pela abolição da escravatura, combateu os métodos da Inquisição, defendeu por várias vezes judeus e cristãos novos), deixou uma obra literária composta por centenas de sermões e cartas, tratados proféticos e dezenas de escritos filosóficos, teológicos, espirituais, políticos e sociais.
As comemorações em curso do IV centenário do seu nascimento são, por tudo isso, merecidíssimas. Trata-se não só de homenagear um homem que participou activamente da história do seu tempo, mas igualmente um autor fundamental da nossa literatura. Obras como “Os Sermões”, em que revela toda a sua extraordinária veia de moralista e teólogo, ou as “Cartas” em que plasmou com enorme inspiração a actividade política que também foi desenvolvendo, designadamente no decurso do reinado de D. João IV, são efectivamente, ainda hoje, de estudo obrigatório em muitas universidades. Há quem o considere mesmo “o maior artista da língua portuguesa”.
As celebrações coincidem, de resto, praticamente, com a eleição do 29.º “Papa Negro”, como é conhecido o superior da Companhia de Jesus, fundada em 1540, pelo espanhol Santo Inácio de Loyola, e que, 468 anos depois, está presente em 127 países, o que a torna, inquestionavelmente, a mais poderosa ordem da Igreja Católica e aquela que, entre as congregações masculinas, detém o maior número de membros. São igualmente reputadas as escolas e universidades que gere, bem como as elites que promove entre os leigos. A hierarquia católica e os próprios políticos nem sempre viram com bons olhos o poder dos jesuítas, aliado à sua grande formação intelectual. Os “desentendimentos” com o Vaticano foram frequentes e, em Portugal, a Companhia foi duramente perseguida, no século XVIII, pelo Marquês de Pombal. Ainda assim, os hábitos negros dos jesuítas mantêm presença nos locais de maior perseguição aos católicos, como nos países islâmicos, China, Cuba e Vietname, prestando serviços nas áreas da educação e apoio social.
Coimbra tem sido madrasta para com aqueles que lhe ajudaram a fazer a história e a consolidar-lhe o imaginário no país e no mundo. Que a última vítima não seja, portanto, o padre António Vieira (até tem nome de rua na cidade), que para cá veio desterrado em 1663 e onde foi, segundo o professor Aníbal Pinto de Castro, “bastante enxovalhado”, ao ser obrigado a depor no Santo Ofício sobre a sua obra “Esperanças de Portugal” – e que, até agora, apenas mereceu um simples recital de órgão e uma pregação do “Sermão de Quarta-feira de Cinzas”. A Faculdade de Letras, sobretudo ela, não poderá ficar indiferente a uma efeméride que já mereceu, até, o alto patrocínio do Presidente da República.
(Soares Rebelo, 12.2.08, Diário "As Beiras" )
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
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