O Presidente da República, Cavaco Silva, afirmou hoje, em Lisboa, que o que mais o «impressiona» no Padre António Vieira «é talvez a actualidade com que esta figura maior da nossa história continua a surgir aos nossos olhos».
Falando na sessão comemorativa do quarto centenário do Padre António Vieira, na Academia das Ciências, Cavaco Silva destacou, tal como acontecia há 400 anos, a diversidade dos povos e civilizações que precisa hoje, porventura ainda mais, de políticos e mediadores como Vieira, que acreditem realmente no valor da pessoa humana e sejam suficientemente inspirados para estabelecer as pontes que levem à paz.
«Podemos e devemos acreditar nas nossas potencialidades enquanto nação que possui uma história de oito séculos, uma história que pode, por isso mesmo, ser também uma História do Futuro», sublinhou, acrescentando ser esta «a lição que podemos retirar da vida e da obra de Vieira».
«Foi esta a mensagem que nos deixou e a que temos obrigação de ser fiéis, sob pena de desiludirmos todos aqueles que, tal como ele, sonharam, com ou sem império, um País dinâmico, civilizado e próspero», afirmou.
O Presidente da República manifestou «regozijo e gratificação» por presidir à sessão com se que se iniciaram as comemorações do quarto centenário do nascimento do Padre António Vieira, por se evocar a memória de alguém que deixou marcas profundas na história, pela sua actividade no domínio social, científico ou outro.
Cavaco Silva disse que a «gratificação se transforma em justificado regozijo, senão mesmo em orgulho, para quantos se revêem nessa figura ímpar da história portuguesa».
«Em Vieira, não se sabe o que mais admirar: se o virtuosismo do pregador ou a argúcia do diplomata ao serviço da independência nacional; se a grandeza e a majestade da sua escrita, que levou Fernando Pessoa a chamar-lhe »imperador da língua portuguesa«, ou a tenacidade com que defendeu os direitos das populações ameríndias; se o realismo do conselheiro do rei, a quem se deve o restabelecimento dos contactos com a colónia judia na Holanda, ou o visionário que sonhou para Portugal um quinto império», realçou.
Para o Presidente, Vieira em tudo deixou impressa a assinatura do génio, bastando ler algumas das muitas páginas escritas pelo seu punho, para se confirmar não só a inteligência e a fina sensibilidade do escritor, como também a vontade, a energia e a determinação do político e do missionário.
«Muitos consideram, e com razão, que os seus sermões, a par dos Lusíadas, representam os mais extraordinários monumentos alguma vez erguidos em língua portuguesa», disse.
O Chefe de Estado mencionou também as cartas que Vieira enviou de Roma, de Paris e de Amesterdão e que revelam «um observador arguto da cena política europeia no seu tempo», bem como as que escreveu do Maranhão e que constituem um dos mais impressionantes documentos acerca da colonização do Brasil.
Para Cavaco Silva, toda a obra do Padre António Vieira é simultaneamente uma demonstração de génio e uma demonstração de fé.
«Fé em Deus, certamente, como se pode adivinhar pelos relatos que ele próprio faz da sua actividade como missionário», afirmou, acrescentando: «Mas fé, também, no destino de uma nação e nas possibilidades de um Estado cuja independência ele viu restaurar, em 1640, e ajudou depois a consolidar».
Cavaco Silva disse que «numa altura em que muitos duvidavam que Portugal pudesse ainda reafirmar a sua soberania, Vieira transformou-se de pregador brilhante em diplomata incansável, servindo nas cortes da Europa o interesse do País com o mesmo empenho com que se dedicara antes, e voltaria mais tarde a dedicar, à evangelização das Américas».
«Fé, além disso, na condição humana: a corrupção e outros males contra os quais frequentemente se insurgia do púlpito não lhe fizeram perder a confiança; os preconceitos dominantes não o impediram de dialogar com todos aqueles com quem se cruzou», afirmou.
Cavaco recordou que, para lá das diferenças de civilização, Vieira acreditou no homem que existia em cada um dos índios do Brasil, a quem defendeu intransigentemente da avidez de alguns colonos.
«Para lá das diferenças de religião, Vieira soube ver e denunciar a injustiça que fora a expulsão dos judeus, a tal ponto e com tanta veemência que suspeitaram que fosse um deles», sublinhou.
«As dificuldades que Portugal conheceu no período da Restauração, tal como as suspeitas que sobre ele próprio se abateram, fazendo até com que fosse encarcerado, não chegaram para o vergar ou fazer baixar os braços. Vieira acreditou sempre», destacou.
O Presidente disse que Vieira «acreditou e agiu» e que foi «um homem da palavra e um homem da acção».
(LUSA 6.2.08)
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
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