Passam agora 400 anos sobre o nascimento do Padre António Vieira (1608-1697), uma das mais distintas personalidades portuguesas de todos os tempos, sob diversos pontos de vista.
Fernando Pessoa, por exemplo, chamou-lhe “imperador da língua portuguesa”, em poema que lhe dedicou na sua “Mensagem”. E o ex-presidente Jorge Sampaio referiu-se-lhe, em 1997, nas comemorações do terceiro centenário da sua morte, como “Vieira, esse povo de palavras”.
Homem de vastíssima cultura (aos vinte e sete anos já era um especialista em Latim), foi também um pregador eloquente, mas foi, sobretudo um homem à frente do seu tempo. “Activo abolicionista, defensor dos negros, batalhador incansável contra o extermínio dos índios e uma ameaça constante aos poderosos do clero”, segundo Gondim. Defendeu, ainda, os cristãos-novos e os judeus, contra a tendência da época.
Tendo regressado a Portugal para assumir o cargo de pregador da corte de D. João IV, logo após a morte do rei, que o protegia, foi preso pelo famigerado Santo Ofício, tendo sofrido um longo processo que o manteve encarcerado durante mais de dois anos numa cela miserável, de quinze palmos por doze, incomunicável, e sem receber luz senão através de um corredor.
A sua obra, que é indissociável de uma intensa actividade como homem público, compõe-se de cerca de duzentos sermões, de mais de quinhentas cartas e uma série de documentos de política, diplomacia, profecia e religião. Neles evidencia uma profunda capacidade de análise e denúncia dos vícios e das fraquezas humanas, com extremo realismo e uma inteligência implacável na sua acção moralista.
Regressou finalmente à sua Baía, após quarenta anos de ausência, para preparar doze volumes de sermões, tendo falecido aos 89 anos.
O decano da cinematografia mundial, o nosso Manuel de Oliveira, já produziu obra sobre este nome incontornável do século dezassete português, mas é pena que não sejam figuras riquíssimas como a de António Vieira que nos entram regularmente pela casa dentro, nas televisões, mas sim toda a espécie de superficialidade, mediocridade, boçalidade e cretinice.
( BRISSOS LINO em O SETUBALENSE)