sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Vieira e a Igreja do seu tempo

Neste ano de 2008 em que se comemora o 4º centenário do nascimento do P. António Vieira, os múltiplos aspectos do seu carácter, da sua actividade e das suas relações irão ser certamente objecto de consideração e discussão, não só em Portugal como também em Itália (um congresso dedicado a Vieira) e no Brasil.

Aqui iremos cingir-nos apenas a alguns aspectos de um único aspecto da sua vida, a relação à Igreja do seu tempo. Lembramos, antes de mais, que embora nascido em Lisboa, António Vieira parte para o Brasil acompanhando os seus pais, ainda criança e é no contacto e no colégio dos jesuítas na Baía que faz os seus estudos e tem a sua primeira experiência de relação com a Igreja concreta, uma Igreja profundamente missionária, Igreja na qual, como estudante e jovem padre, António Vieira se empenha generosamente. Aprende várias línguas nativas, corre perigos, visita missões, ensina a doutrina cristã e administra os sacramentos.

Providencialmente transferido para Lisboa e muito próximo do Rei e da corte, é em Portugal e também em Roma que ele faz outras experiências da Igreja. Antes de mais com os seus irmãos da Companhia de Jesus: amizades fortes e grandes, mas também invejas e incompreensões pelas posições tomadas e extraordinária influência junto do Rei. Há que reconhecê-lo, em questões internas da Companhia, o P. Vieira não terá procedido da melhor maneira, tentando "inclinar" as decisões para a sua opinião de modo indevido, o que lhe valeu séria repreensão por parte do P. Geral da Companhia.

Mas o grande e mais profundo conflito que marcou a sua vida foi a sua relação de franca hostilidade com a Inquisição, o Tribunal do Santo Ofício.

Estamos em plena contra-reforma, é bom lembrar, no auge do poder deste tribunal que muitas vezes se sobrepõe ao Rei…

Pelo seu espírito independente, pela sua defesa intransigente dos judeus e cristãos novos, pelo seu contacto com as potências protestantes e há que reconhecê-lo, também pela sua religiosa e imprudente defesa do papel messiânico de Portugal, Vieira é a presa ideal e exemplar para o Santo ofício….

Julgado na sua conduta e nas suas obras, Vieira é condenado, preso, privado dos seus direitos de religioso e obrigado ao silêncio.

António Vieira não se conforma. Com autorização dos seus superiores dirige-se a Roma onde é muito bem recebido não só pelo P. Geral da Companhia de Jesus, como pelo próprioPapa. Convidado para confessor da convertida Rainha Cristina da Suécia, recusa, como sempre recusou os convites para honras e benesses… Mais ainda, Vieira conseguiu um especialíssimo "Breve" do Papa que o isenta pessoalmente e em qualquer parte do mundo, da jurisdição da Inquisição.
Sem se poder contestar os seus indiscutíveis defeitos humanos, na sua actividade de pregador, político, diplomata, escritor, Vieira não foi um homem que procurasse a riqueza, o sucesso ou o poder pelo poder: conduzido pelo ideal de serviço a Deus e ao seu país, profundamente fiel à Companhia e à Igreja, apesar de todos os conflitos, o P. António Vieira, aliando a imaginação com a liberdade e a obediência, com os seus noventa anos de vida, é uma figura verdadeiramente incontornável de português, de jesuíta, de filho da Igreja e de seguidor de Jesus Cristo na construção do Seu Reino.

(PADRE ANTÓNIO VAZ PINTO, da Comissão Ano Vieirino, na AGÊNCIA ECCLESIA)