quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Fundação Cultural Luso-Venezuelana evoca Vieira

A Fundação Cultural Luso-Venezuelana Camões promove na quinta-feira um "cine-forum" na cidade de venezuelana de Valência para assinalar os 400 anos do nascimento do padre António Vieira.

Segundo os organizadores, durante o "cine-forum", orientado pelo padre brasileiro Miguel Pan, será exibido o filme "Palavra e Utopia" do realizador português Manoel de Oliveira, sobre a vida do escritor e religioso português.

A apresentação do filme, seguida por um debate sobre a mensagem do padre António Vieira decorre na Igreja de Santo António, Valência, Estado de Carabobo.

A iniciativa conta com o apoio do Instituto Camões (de Lisboa) e o Consulado Geral de Portugal em Valência, além da colaboração do Centro Cultural da Missão Católica Portuguesa e Italiana de Prebo, Valencia.

Escritor e religioso, António Vieira, nasceu em Lisboa a 6 de Fevereiro de 1608 e faleceu na Baía, Brasil, a 17 de Junho de 1697.

O sacerdote destacou-se, em terras brasileiras, como missioneiro na luta contra a escravidão, na defesa dos judeus e dos direitos humanos dos povos indígenas, que o chamavam "Paiaçu" (grande pai).

Feroz crítico da Inquisição e da posição de alguns sacerdotes, António Vieira escreveu mais de 50 textos, na maioria sermões.

(Site RTP 27.2.08)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O poder da palavra em Padre António Vieira

A diocese do Funchal recorda os 400 anos do nascimento do Pe. António Vieira. Nos próximos dias 29 de Fevereiro e 1 de Março realizar-se-á naquela cidade madeirense um colóquio sobre «Padre António Vieira: o poder da palavra».

José Eduardo Franco, do Instituto Europeu de Ciências da Cultura P. Manuel Antunes, proferirá duas conferências sobre o jesuíta. Uma organização do Departamento de Formação Cristã de Adultos e Escola Teológica do Funchal.

Programa

Dia 29 de Fevereiro

Conferência de Abertura: «Vieira: trajectos e contextos de uma vida inquieta» por José Eduardo Franco, do Instituto Europeu de Ciências da Cultura P. Manuel Antunes, na Igreja do Colégio.

Dia 1 de Março

9.30h - Sessão de abertura

9.45h- Conferência: «Padre António Vieira: A palavra enquanto utopia» por José Eduardo Franco, do Instituto Europeu de Ciências da Cultura P. Manuel Antunes.

11.00 -11.30h - intervalo para café

11.30h – Conferência: «O Padre António Vieira e a Companhia de Jesus: A formação de um génio» por Carlota Urbano, da Universidade de Coimbra

12.30-14.30 - almoço

14.30 - Workshops

«O código retórico clássico e a palavra de Vieira» por Carlota Urbano, da Universidade de Coimbra.

«Vieira, crítico social: o combate à Inquisição e à escravatura» por José Eduardo Franco, do Instituto Europeu de Ciências da Cultura P. Manuel Antunes.

16.00 - Intervalo

16.30 - Apresentação dos trabalhos

17.30 - Encerramento.

18.00 – Recital: Ensemble de Flautas do Conservatório – Escola de Artes Eng. Peter Clode

As conferências do segundo dia são na Escola da APEL

( Agência Ecclesia 26/02/2008)
121 Diocese do Funchal

Humor e Ironia em Vieira

Teve lugar no Porto, em 7 de Fevereiro, uma conferência proferida pelo Dr. Manuel Correia Fernandes, intitulada “ O humor e a ironia em alguns sermões do Padre António Vieira”. O conferencista, um estudioso da obra do Pe. Vieira, é responsável pela organização do livro “Antologia e Aforismos de Vieira”(Telos Editora, 1997), cuja divulgação o Ministério da Educação promoveu nas escolas portuguesas.

O Dr. Manuel Correia Fernandes publicou, recentemente, dois textos no Semanário da Diocese do Porto, Voz Portucalense, de que é Director (“Em louvor do Padre António Vieira” e “Celebrações do Centenário do Padre António Vieira” nas edições de 6 e 13 de Fevereiro, respectivamente) e que podem ser lidos na edição on line do jornal.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Evento celebrou os 400 anos de Vieira

O 34º Encontro dos Descobrimentos teve lugar na sede do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.


Para celebrar o 400º aniversário do Padre António Vieira - religioso, escritor e orador português da Companhia de Jesus, que defendeu os direitos humanos dos povos indígenas e os negros combatendo a sua exploração e escravização -, foi promovido um evento no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), no dia 23 de fevereiro. O 34º Encontro dos Descobrimentos foi da responsabilidade das comunidades portuguesa e japonesa, que formaram a cultura brasileira, e realizado pela Comissão Municipal de Direitos Humanos (CMDH), presidida pelo Dr. José Gregori e pelo IHGSP.

Na icasião, houve palestras de José Gregori, Nelly Martins Ferreira Candeias, presidente do IHGSP e do advogado, Nelson Faria de Oliveira.

O evento contou com o apoio da ONG Resgatando Valores, da Embaixada do Brasil em Portugal, de Hélio Matsuda e da firma Faria de Oliveira Advogados.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Gigante da Oratória Sacra

Maior autor de língua portuguesa do século XVII e um dos mais celebrados oradores sacros de todos os tempos, o Padre Antônio Vieira atingiu tal nível de erudição e prestígio, que deslumbrou o mundo culto de seu tempo, com seus vibrantes, oportunos e vigorosos sermões, proferidos perante reis e príncipes da Igreja, crentes e homens de cultura, e mesmo modestos e agnósticos cidadãos, que antecipadamente lotavam os templos onde sabiam que Vieira se iria apresentar. Tendo recebido toda a sua instrução nos Colégios Jesuitas do Salvador da Baía e de Olinda, Vieira só atingiu as culminâncias do saber e da erudição, mercê de sua insaciável curiosidade intelectual, servida por um talento oratório talvez único, que colocou a serviço de seu sábio e brilhante ecletismo, produzindo sermões de conteúdo profundo e forma irretocável, que a todos encantavam, convenciam e convertiam.

Na realidade, a oratória e a obra de Vieira impunham-se e impõem-se pela elevação e beleza de sua estilística, pela clareza e firmeza de suas construções retóricas e pelo humanismo e oportunidade de suas intervenções político-sociais, moralistas e moralizantes, em que tanto atacava a corrupção como defendia os oprimidos; nas quais ora pregava em favor dos índios ora contra os abusos dos senhores que os escravizavam; onde frequentemente condenava o luxo e a opulência dos poderosos para cotejá-los com a miséria e penúria dos miseráveis que produziam a sua riqueza, entre os quais frequentemente vivia, ensinava e pregava, com eles se identificando - não fosse ele próprio neto de uma escrava africana - e ainda com eles se comunicando em suas próprias línguas, pois falava 7 (sete) dialetos indígenas, nos quais redigia os catecismos de que se utilizava para a conversão e alfabetização de seus protegidos.

Quando iniciamos o estudo da vasta obra do Padre Antônio Vieira, logo sobressaem as múltiplas facetas deste brilhante e ainda mal conhecido português do Brasil, onde avulta e brilha o halo do pregador sacro sem igual, o texto do primoroso escritor, o sentimento do humanista e homem de ação sem paralelo, a um tempo defensor de índios e de negros, apologista da justiça e da liberdade, a par de uma firme postura contra os abusos da Inquisição, sem que nos possamos esquecer do "cientista social" e político desassombrado e atuante, ou do diplomata de grandes e nobres causas e batalhas, que nas cortes da Europa defendia com garra e brilho os interesses de sua e nossa Pátria. E, depois de tanto se ter servido do Verbo, da Dialética e da Retórica, não é de estranhar que a moderna língua portuguesa - saída do gênio e da pena de Luís de Camões - tivesse sido lapidada e consolidada pela fala, pela escrita - enfim pela voz - de Antônio Vieira, que, desse modo, conseguiu elevar a prosa em língua portuguesa à sua mais pura, elevada e brilhante expressão, à semelhança do que um século antes Camões tinha feito por meio de sua poética.

Estudar Vieira é ter que abordar os mais complexos problemas da Vida, para o que necessário se torna mergulhar fundo na Existência e na Essência do Ser Humano, em busca da Alma, do Espírito e dos mistérios que o Misticismo vem perseguindo ao longo dos milênios; na realidade, quando tentamos analisar criticamente a profundidade de temas e conceitos expressos em seus sermões, constatamos que - através deles - Vieira nos coloca em contato com os mais sérios problemas e fenômenos pessoais, sociais e existenciais de todos os seres, tempos e lugares, pois são de ontem, de hoje e de sempre tanto a justiça quanto a liberdade, tanto a ética como a fraternidade, tanto a paz como a igauldade perante a lei, tanto os desequilíbrios da Alma quanto os mistérios do Espírito, que devem constituir o objetyivo primeiro e último de todo o estudo sério e profundo, e a preocupação maior de todo o estudante, qualquer que seja a sua especialização acadêmica, a sua ideologia política ou até mesmo a sua crença religiosa. Essa talvez tenha sido a grande lição de Mestre Vieira, que nos deixou uma riquíssima obra literária do mais puro vernáculo, profunda e eclética, de grande beleza estética e de inigualável centelha ética, cujo estudo forma e engrandece, educa e esclarece, instrui e enobrece, eleva e enriquece, ao mesmo tempo que a sua leitura interessada e atenta encanta e delicia o estudante e o iniciado, o leigo e o formado, o sábio e o erudito.

Antônio Vieira - O Grande - foi realmente um intelectual eclético e um homem de ação polivalente, porquanto encarnou várias e ricas personagens no decorrer de sua atribulada e longa existência, tendo protagonizado, na vida real e com perfeição, as variadas e complexas funções de professor e pregador, de escritor e missionário, de diplomata e conselheiro real, de negociador e filósofo, tendo a todas elas emprestado o brilho de sua inteligência, o vigor de sua palavra, a integridade de seu carácter, o rigor de sua argumentação, a retidão de sua personalidade e o gênio de sua intuição, augustos atributos que - de tão raros em um só homem - o tornaram alvo dos mais repulsivos sentimentos de todos quantos, por inveja, despeito ou interesses feridos, se sentiam ameaçados, prejudicados e ou humilhados pela excelência de suas virtudes, pela grandeza de sua Alma ou pelo nobreza de seu proceder.

Muito naturalmente, o penetrante, eficaz, permanente e convincente instrumento de ação e comunicação de Vieira foi a linguagem falada - mais que a escrita - sempre apaixonada e eloquente, enérgica e convincente, inteligível e abrangente, certeira e inteligente, oportuna e comovente, com a qual cumpriu um longo e brilhante apostolado, sempre exercido desinteressadamente, quer se tratasse dos índios da Baía ou do Grão Pará e Maranhão, dos colonos de São Luís ou dos defensores da cidade do Salvador, da nobreza lisboeta ou dos bispos e cardeais romanos, da corte de D. João IV ou da cúpula do Vaticano. E nem mesmo se furtou a um brilhante tête à tête com o prelado Jerônimo Cataneo, quando, no palácio romano da Raínha Cristina da Suécia e na sua presença, foi desafiado a defender Heráclito, que sempre chorava, em contraposição a Cataneo, defendendo Demôcrito, que sempre ria. E de tal defesa nasceu a mais brilhante pequena-grande obra prima do nosso Príncipe dos Oradores Sacros, conhecida como "O Pranto e o Riso".

Senhor de insuperável gênio verbal, servido por um raciocínio dedutivo de lógica irretocável, a que devemos acrescentar uma dialética demolidora e construções retóricas empolgantes e convincentes, o talentoso Vieira manipulava a riqueza vocabular da nossa língua portuguesa com insuperável maestria, o que lhe permitiu atingir e exercer a sua inigualável expressão oral sem jamais sequer macular a pureza vernacular do idioma de Camões. Dele, dizia Fidelino de Figueiredo: "Vieira é um modelo de expressão, de relevo enérgico e de eloquência. Maravilha-nos que ele conseguisse tais efeitos, com um léxico tão reduzido, e uma sintaxe tão correntia...um inimitável mestre na arte de combinar valores comuns com efeitos novos e relevantes. Esse dom nasceu com ele e com ele morreu". Assim como Camões foi o grande artista que, à superior beleza estética de sua poética adicionou uma linguagem vibrante e arrebatadora, que tornaram "Os Lusíadas" um marco na história da poesia épica mundial, também - um século mais tarde - aos sermões de Vieira se ficou devendo a consagração definitiva do idioma luso, mercê da sua "lapidação" pela arte de bem arquitetar, e melhor falar e dizer do nosso talentoso jesuita.

Em Vieira encanta, comove e embriaga a beleza estética de sua parenática - enquanto arte de pregar ou eloquência oratória sacra - porquanto, nenhum outro pregador da Idade Moderna tão belos sermões pregou e disse, tão brilhante e convincente foi, tanto ousou e ou tão longe chegou na beleza sermonária, mas, acima de tudo, tantas paixões extravasou e despertou, como o amado Paiaçu (Padre ou Pai Grande) dos índios do Grão Pará e Maranhão, aos quais também muito amou, e ainda mais defendeu e protegeu contra os abusos, injustiças e violências dos esclavagistas da época, os quais - tudo tentando e nada podendo fazer contra a força de sua palavra - acabaram por expulsá-lo e expatriá-lo para Portugal, bem como aos seus auxiliares diretos. E foi só recorrendo a esse ato de força e violência, que os senhores de São Luís do Maranhão conseguiram ver-se livres do defensor da liberdade dos índios seus escravos, da moralidade da sociedade local, das injustiças do Poder.

Da grandiosa, vasta, rica e erudita obra de Antônio Vieira, sobressaem naturalmente "Os Sermões", os quais - por serem empolgantes e comoventes peças de oratória acentuadamente barrocas - resplandecem como brilhantes, entre todas quantas conhecemos do século XVII. Neles - onde metáforas e alegorias são muitas vezes magistralmente incluídas, de modo a enriquecer e ilustrar imagens e conceitos - tais artifícios de linguagem oratorial, de incisivo e elegante estilo, causavam imediato e profundo impacto no auditório, revelando-se de clarividente oportunidade, obra de aguda sensibilidade, e prova da enciclopédica erudição de Vieira, a que o esfuziante brilho da sua palavra dava o toque final de arrebatamento que a todos os seus ouvintes envolvia. Para tanto, servia-se o nosso orador das passagens e revelações dos Sagrados Livros, devidamente embasados em exemplos ilustrativos de seu dia-a-dia, a tornar mais concretas as suas prédicas, mais realistas as suas imagens, mais convincentes os seus relatos.

Entre os cerca de 220 (duzentos e vinte) sermões que proferiu e nos deixou, contam-se 30 alusivos ao Rosário, 25 relativos à Quaresma, 18 sobre São Francisco Xavier (o grande jesuita apóstolo das Índias), 14 acerca da Eucaristia, 9 invocando o nosso Santo Antônio de Lisboa, oito abordando o lava-pés, 7 reportando o Advento, 4 referenciando São Roque, e 3 descrevendo a Quarta Feira de Cinzas, além de outros sobre a Páscoa, o Espírito Santo, o Santíssimo Sacramento, o Pentecostes, Ação de Graças, e Misericórdias, uns mais outros menos conhecidos, mas todos belas, magistrais e eloquentes peças da mais fina oratória de todos os tempos. E, para não passarmos em brancas núvens por tantas e tão instrutivas peças, transcrevemos uma passagem de elevada concepção artística, onde Vieira arquiteta - de forma sublime - a ideia da obra missionária, cotejando-a com a arte do estatuário, em seu sermão ao Espírito Santo:

" Vêde o que faz em uma pedra a arte. Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas - tosca, bruta, dura, informe - e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homemj, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos: aqui desprega, ali arruga, acolá recama, e fica um homem perfeito, talvez um santo que se pode pôr no altar. O mesmo será se, à vossa industria, não faltar a graça Divina.".

Já aqui fizemos referência à "pequena-grande obra prima" do Padre Antônio Vieira que é "O Pranto e o Riso", apresentada na Academia sediada no palácio da Rainha Cristina da Suécia, que então residia em Roma, em 1674, quando o insigne jesuita aceitou defender o pranto ou choro de Heráclito (que sempre chorava), contra o riso de Demócrito (que sempre ria). Eis algumas passagens daquele que será o menor, mas, talvez um dos mais brilhantes pronunciamentos do nosso pregador: "...Entrando, pois, na questão de se o mundo é mais digno de riso ou de pranto, e se à vista do mesmo mundo tem mais razão quem ri - como ria Demócrito - ou quem chora - como chorava Heráclito - eu, para defender a parte do pranto, como sou obrigado, confessarei uma coisa e direi outra. Confesso que a primeira propriedade do racional é o risível; e digo que a maior impropriedade da razão é o riso. O riso é o final do racional, o pranto é o uso da razão.
"Demócrito ria sempre; logo nunca ria; Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo...segue-se que nunca ria, rindo sempre, pois não havia matéria que motivasse o riso...não pode haver riso que se não origine de causa que agrade...

"Heráclito chorava, mas por outro modo; há chorar com lágrimas, chorar sem lágrimas e chorar com riso; chorar com lágrimas é sinal de dor moderada; chorar sem lágrimas é sinal de dor maior; e chorar com riso é sinal de dor suma e excessiva; a dor moderada solta as lágrimas, a grande as enxuga, as congela, as seca; dor que pode sair pelos olhos não é grande dor, por isso não chorava Demócrito; e como era pequena demonstração da sua dor não só chorar com lágrimas, mas ainda sem elas, para declarar-se com o sinal maior, sempre ria...".

Nasceu António Vieira em Lisboa, a 6 de fevereiro de 1608, sendo filho de Maria d`Azevedo e Christovam Vieira Ravasco, tendo sido batizado a 15 do mesmo mês na Catedral da Sé; no final de 1615 seguiu para a Baía com sua família, tendo-se salvo de um quase naufrágio nos baixios da Paraíba em 20 de Janeiro de 1616. Uma vez na capital, logo iniciou os estudos no colégio jesuita de São Salvador (que depois deu o nome à cidade), até que - em março de 1623, aos 15 anos de idade - quando ouvia um sermão do padre Manoel do Carmo, parece ter sentifo forte apelo ou inclinaação para a vida religiosa, que seguiu, apesar da oposição de seus pais. Saiu de casa, entrou no colégio (na época sinônimo de estudos superiores), fez dois anos de noviciado e, finalmente, professou em 6 de Maio de 1625. Foi nessa altura que - apenas com 17 anos de idade, foi encarregado de redigir a carta annua ou relatório em latim, enviado anualmente a Roma, para a sede da Companhia de Jesus, fundada um século antes por Santo Ignacio de Loyola. Logo no ano seguinte seguiu para o Colégio de Olinda como professor de retórica. Ordenado em 1635, logo iniciou suas pregações, que revelariam um dos maiores gênios da oratória de todos os tempos, como Santo Antônio de Lisboa fora 4 séculos antes. E, depois de uma atribulada existência - que várias vezes o levou a Portugal, de onde partiu a cumprir missões diplomáticas por vários países da Europa - faleceu na Baía a18 de Julho de 1697, com quase 90 anos de idade.

PS-Os trabalhos do Prof. Antônio Abreu Freire - que no comando de um veleiro está percorrendo os caminhos de Vieira - inserem-se nas comemorações do 4º Centenário de nascimento do Padre Antônio Vieira.

(por José Verdasca, escritor português)

Vieira - vida, época, filosofia e obras

Um texto de Rubem Queiroz Cobra, Doutor em Geologia e bacharel em Filosofia

Vida

Examinemos a vida e obra do Padre Antônio Vieira, figura síntese de sua época, sob os seguintes aspectos: sua formação escolástica; sua fidelidade ao absolutismo; seu envolvimento com o problema da perseguição aos judeus e cristãos novos e da escravidão tanto dos africanos, na Bahia, como dos índios, no Maranhão; sua fé romântica típica do sebastianismo; seu problema pessoal com a Inquisição, e seu pensamento filosófico. Missionário jesuíta, orador, diplomata, mestre da prosa portuguesa clássica, teve papel importante em ambas a história portuguesa e brasileira; seus sermões, cartas e papeis oficiais constituem um valioso índice do clima das opiniões no século 17 no mundo luso-brasileiro.

Primeiros anos

Vieira nasceu em 1608, em Lisboa, e faleceu em Salvador, em 1697. Era filho de Cristóvão Vieira Ravasco, mulato, e de D. Maria de Azevedo. Estava Portugal sob domínio espanhol. Em 1578 o rei D. Sebastião morreu em Alcácer-Quibir, na África, onde os mouros derrotaram os portugueses. Não tendo herdeiros, o trono passou para seu tio-avô, o Cardeal D. Henrique que, já velho, morreu em 1580. Filipe II, rei da Espanha, por ser neto de D. Manuel o Venturoso pelo lado materno (Era filho de Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano, e de Isabel de Portugal, filha de D. Manuel), assumiu o trono português. O Império Espanhol passou então a incluir Portugal e as possessões portuguesas, até a revolução que restaurou o trono português em 1640.

O pai de Antônio Vieira fora empregado em casa de D. Fernão Telles de Menezes, conde de Unhão, o qual foi tomado para seu padrinho. Em casa dos condes de Unhão havia trabalhado também o avó paterno de Vieira, Baltazar Vieira Ravasco. Esse avô era branco, natural da vila de Moura, mas, quando empregado em casa dos Condes, enamorou-se de uma serviçal mulata da mesma casa, que foi a avó paterna de Vieira. Dizem os biógrafos que o romance motivou que ambos fossem despedidos. Perguntado na Inquisição sobre seus antepassados, mais tarde, com 55 anos, Vieira disse nada saber dessa sua avó paterna.

O avô pelo lado da mãe, Dona Maria de Azevedo, era pessoa influente, Brás Fernandes de Azevedo, cristão velho. Este conseguiu para o genro nomeação para escrivão dos agravos da Relação da Bahia, logo que esse tribunal foi instituído. Isto motivou a vinda do pai de Vieira para o Brasil em 1609. Deixou em Portugal a mulher e o filho, para busca-los três anos depois, em 1614, estando Vieira com seis anos.

Vieira teve um irmão e duas irmãs: Bernardo Vieira Ravasco, que ele declarou, quando inquirido no Tribunal da Inquisição, ser alcaide-mor da cidade de Cabo Frio do estado do Brasil, e secretário de estado e guerra do mesmo Brasil, solteiro.Nasceu e faleceu na Bahia (1617-1697), foi Comendador da Ordem de Cristo e teve vasta influência na Colônia; Dona Leonarda de Azevedo casada com o Doutor Simão Alves de Lapenha desembargador dos agravos de Sua Majestade e Cavaleiro do hábito de Cristo. Essa irmã morreu com o marido e os filhos em um naufrágio quando viajavam para Portugal -, e Dona Maria de Azevedo que ele declarou solteira, mas que casou depois com Jerônimo Sodré Pereira. Esses irmãos eram brasileiros, naturais e moradores da cidade da Bahia.

Teve mais as irmãs Catarina Ravasco de Azevedo, mulher do Sargento-mor Rui Carvalho Pereira, falecida sem descendência, e Inácia de Azevedo Ravasco que foi casada com Fernão Vaz da Costa Dória

Vieira foi educado no Colégio Jesuíta da Bahia. O ensino tradicional jesuítico compreendia retórica, filosofia e teologia. Para aguçar em cada aluno o poder de argumentação os jesuítas estimulavam debates sobre temas os mais extravagantes: O que Deus fazia antes da criação do mundo, se poderia criar outros mundos mais perfeitos que o nosso, se as almas das plantas e animais são divisíveis, qual era a estatura da Virgem Maria, etc. Este tom argumentativo, dialético, permeia os sermões de Vieira como um sestro que ficou dos tempos de estudante. Seu professor de filosofia foi o Padre Paulo da Costa.

Manifestando seu desejo de entrar para a ordem jesuítica, Vieira teve a franca oposição dos pais. Fugiu de casa à noite para o colégio, onde o reitor o acolheu sem hesitação, por saber o que sua inteligência prometia. No dia seguinte, ano de 1623, iniciou seu noviciado, contando então quinze anos. Levaram-no para a aldeia do Espírito Santo onde os padres doutrinavam os indígenas, a sete léguas da cidade, para distanciá-lo da família inconformada.

Juventude na Bahia

Vieira ainda era um noviço quando, em 1624, ocorreu a invasão da Bahia pelos holandeses.

Em 1581 a Holanda havia proclamado sua independência, libertando-se do domínio da Espanha. Em represália, Filipe II fechou todos os portos portugueses e espanhóis aos navios holandeses. Essa medida constituiu um violento golpe na economia holandesa, que controlava o transporte, o refino e a distribuição do açúcar brasileiro na Europa. Para superarem esse obstáculo, os poderosos comerciantes holandeses criaram a Companhia das Índias Ocidentais para a conquista dos mercados produtores, no caso o Nordeste Brasileiro (Bahia e Pernambuco).

Quando a armada da Companhia das Índias Ocidentais chegou em maio a Salvador o povo fugiu para os matos, grande parte dos habitantes de Salvador se dispersou pelas aldeias dos índios, sob a direção dos padres jesuítas. O governador geral Diogo de Mendonça Furtado foi preso e embarcado para a Holanda. Assumiu interinamente o governo D. Marcos Teixeira, quinto bispo do Brasil, que adotou a forma de guerrilha para combater o invasor.

Essa tática terminou por dar resultado e no ano seguinte, 1625, chegou a esquadra espanhola e retomou a cidade. Os holandeses se renderam e quando, pouco depois, chegou uma esquadra holandesa para reforço, nada mais pode fazer. Todas as propriedades holandesas (navios, ouro, etc.) foram confiscadas e receberam navios e mantimentos apenas suficiente para partirem de volta para a Holanda.

Vieira contava apenas 16 anos, e já conhecia latim tão admiravelmente que os padres o encarregaram de relatar o acontecido na *Carta anua para o Geral da Companhia em 1626, a primeira escrita após a interrupção de dois anos ocorrida naqueles tempos anormais. Relembrando a noite da invasão, diz o jovem noviço: "Mas quem poderá explicar os trabalhos e lástimas desta noite? Não se ouviam por entre as matas senão ais sentidos e gemidos lastimosos das mulheres que iam fugindo; as crianças choravam pelas mães, e elas pelos maridos, e todos, segundo a fortuna de cada um, lamentavam sua sorte miserável".

Encerrados os dois anos do noviciado vividos no período da invasão, Vieira fez os votos simples de pobreza, obediência e castidade e passou de imediato ao treinamento pedagógico a que os candidatos às ordens sacras estavam obrigados na Companhia de Jesus. Em 1627 está em Olinda, lecionando retórica no colégio jesuíta. Mas logo é chamado de volta à Bahia, com certeza pela falta sentida de seus préstimos. Somente em 1634 seria ordenado padre, e diz seu biógrafo J. Lúcio de Azevedo que nada se sabe do período que precedeu à sua ordenação.

Ordenado padre, as ocupações Vieira são o magistério no colégio e nas aldeias indígenas, e a pregação. Seu primeiro sermão foi pronunciado na Quaresma de 1633, antes de receber as ordens. Em 1635 escreveu o seyu livro "Curso Filosófico" adotado no Colégio todo o século XVIII. Cedo apareceu como erudito e como orador eloqüente. Alguns de seus sermões mais enérgicos sobre a guerra holandesa e situação dos escravos foram feitos na Bahia. Em 1638 os holandeses, vindo de Pernambuco, tentaram tomar Salvador pela segunda vez, mas não conseguiram. Com o invasor às portas, em número de 3.400 soldados comandados por Maurício de Nassau, Vieira usou, para o sermão na igreja de Santo Antônio, no dia do santo, o versículo do Livro dos Reis: "Porque eu defenderei esta cidade, para salva-la, por mim próprio por meu servo David".

O irmão de Vieira foi ferido nas lutas pela recuperação de Itaparica. Após um sítio de 40 dias que logrou impor à cidade, a tropa assaltante teve de retirar-se.

Vieira trabalhou entre os escravos índios e negros até 1641, quando foi incumbido de levar congratulações ao Rei D. João IV em sua ascensão ao trono.

A primeira viagem à Europa

D. João IV (reinou 1640-1656), nascido em 1604, era duque de Bragança. Subiu ao trono na revolução vitoriosa contra os espanhóis em 1640. Pertencia à casa de Avis que reinara antes dos 60 anos de domínio espanhol, fundando assim a dinastia dos Bragança.

O vice-rei do Brasil, tendo de enviar seu filho D. Fernando à Metrópole, a levar a adesão da Colônia a D. João IV, fá-lo acompanhar de dois jesuítas, o Padre Vieira e outro religioso também ilustre, o padre Simão de Vasconcelos, que seria depois afamado cronista da Ordem.

A luta dos portugueses contra o domínio espanhol, - esclarece Lúcio de Azevedo -, fora sustentada por um civismo místico, com fundamento em profecias de Bandarra, um sapateiro inspirado, que desde 1540, em um livro de trovas, consignara os destinos de Portugal. Dos solares dos fidalgos às escolas onde as crianças rudes do povo aprendiam, o Bandarra era o livro de leitura e a bíblia do patriotismo. Nada contribuiu tanto para manter vívida a esperança na redenção do estrangeiro. Suas profecias de grandeza esperava-se que se concretizariam com a volta de D. Sebastião, que se supunha ainda vivo, pois ninguém o vira morrer na batalha em África. Porém, torcidas, reinterpretadas, falseadas onde foi necessário, aplicaram-se aos fatos da restauração. O Encoberto, o rei desconhecido de que falavam os vaticínios, podia muito bem ser D. João, o Duque de Bragança.

Assim se preparou o ambiente em que brotou a revolução pela restauração da monarquia portuguesa. Restaurado o trono, ao Bandarra tributaram-se grandes honras. O próprio D. João IV aceitava a designação de "O Encoberto", como sagração de sua realeza pela intenção divina.

A essa crença aderiu também Vieira. Seu companheiro de viagem, o Padre João de Vasconcelos, compunha a "Restauração de Portugal", apologia mística do rei aclamado, coligindo ali as maravilhas e profecias que justificavam o ato revolucionário e foram a principal razão dele. Nas suas pegadas, Vieira escreverá *Quinto Império do Mundo e *História do Futuro.

Conselheiro do Rei

Ao cabo de aventurosa viagem com destino a Lisboa, o jovem fidalgo e os dois religiosos foram obrigados a desembarcar em Peniche devido a uma tempestade que desarvorou a nau, e ali um mal entendido os levou à prisão, tomados por contra-revolucionários aderentes do governo espanhol. No dia seguinte, desfeitos os equívocos, partiram para Lisboa.

Recebidos pelo Rei, no mesmo instante Vieira conquistou a simpatia do monarca que, com certeza, percebeu logo o quanto Vieira lhe poderia ser útil. Tinha Vieira não apenas conhecimento dos assuntos do Brasil, como sabia muito da psicologia do inimigo holandês.

Vieira está em Lisboa com 33 anos de idade. Sua fama no Brasil já alcançara Portugal. Começa a pregar na Igreja do seu Instituto - S. Roque. Lisboa invadia a igreja para ouvi-lo. Convidado a pregar para o Rei, Vieira pregou pela primeira vez na Capela Real no dia do Ano Bom de 1642. O Rei tornou-se admirador da personalidade magnética e segura de Vieira e passou a olhar o jesuíta alto, magro e dinâmico como "o maior homem do mundo".

Cada vez mais íntimo da família real, estimado pela conversação inteligente e manifestamente clara compreensão dos negócios do Estado, em pouco tempo Vieira dava o voto mais autorizado e decisivo em importantes negócios de Estado. A essa ajuda na qualidade de conselheiro, juntava-se outra ainda mais preciosa. Era tão aflitiva a situação do reino que nos sermões cabia alertar o povo sobre tudo que fosse interesse da pátria, pois não havia meios de comunicação senão as prédicas e o que se noticiava de boca em boca.

Vieira pelo concurso de ouvintes e influência da sua palavra, colocava-se inteiramente a serviço do rei e até a favor dos impostos chama à responsabilidade os cidadãos. Fazia sua exortação ao patriotismo paralelamente com a exortação moral em que os negócios mais graves do Estado saiam a lume, e através de alegorias da Bíblia analisava atos do governo e a conduta dos homens públicos. Quando necessário, nem o próprio soberano, figura sagrada para o povo, escapava às admoestações e à censura. "Sabei cristãos, sabei príncipes, sabei ministros, que se vos ha de pedir estreita conta do que fizestes."

Completados os 35 anos, Vieira ainda não era jesuíta professo. Faltava-lhe fazer o quarto e último voto, o de obediência ao Papa, que, segundo Lúcio de Azevedo, professou em 26 de maio de 1644.

Missões e empenho pelos cristãos novos

Entre 1646 e 1650 Vieira esteve engajado em missões diplomáticas na Holanda, França e Itália, com os mais variados misteres. A mais relevante foi com certeza a do acordo entre Portugal e Holanda. A Holanda queria uma indenização por ter perdido Pernambuco, mas que intentava reconquistar. Preparou uma nova frota para ir ao Brasil a qual, para felicidade de Portugal, se desmantelou no Atlântico devido a forte tempestade. O ponto dificultoso das negociações era a fiança que haveriam os holandeses de pedir pela mora, até se realizar cinco ou seis anos mais tarde o pagamento final.

Aqui se oferece a Vieira ensejo de renovar seu empenho em favor da gente hebraica. Ele havia apresentado em 1643 uma exposição de motivos ao Rei, na qual argumentava que o reino estava em estado miserável depois do domínio espanhol (que não defendera as colônias de Portugal permitindo que a Holanda se apoderasse de boa parte delas) e que era um contra-senso a perseguição aos judeus. Dizia "Por estes reinos e províncias da Europa está espalhado grande número de mercadores portugueses, homens de grandíssimos cabedais, que trazem em suas mãos a maior parte do comércio e riquezas do mundo. Todos estão desejosos de poder tornar para o Reino...Se Vossa Majestade for servido de os favorecer e chamar, será Lisboa o maior império de riquezas..." Dizia mais que todos os países viam a miséria de Portugal. Nenhum país colocara embaixada no Reino restaurado e que o desprezo era tanto que o Papa não recebeu o embaixador português.

A volta dos judeus, além de enriquecer Portugal, haveria de enfraquecer o inimigo que deles se valiam com grande vantagem, porque na Espanha, judeus portugueses estavam cuidando da administração da fazenda real e emprestando ao monarca espanhol muitos milhões enquanto não chegavam as frotas com o ouro da América. "E o mesmo sucederá na Holanda, cujas companhias, que nos tem tomado quase toda a índia, África e Brasil, vivem em boa parte à custa da finança judaica portuguesa". E lembra ainda os exemplos da França e da própria Roma, "onde se permite a existência de sinagogas com seu culto". E porque se permitia no reino de Portugal comerciantes protestantes de várias nacionalidades e não se permitiam comerciantes judeus?

A Companhia de Jesus considerava imprudente e comprometedor o empenho de Vieira. O Rei, escreveu uma carta (1644) ao Provincial da Companhia recomendando que não fosse maltratado Vieira por motivo de suas idéias.

Seu plano no negócio com a Holanda, como um desdobramento da representação antes feita, era que dos cristãos novos poderiam vir a dar a fiança necessária ao acordo.

De volta de Paris onde fora tentar o apoio do governo francês para as negociações com a Holanda, Vieira deteve-se em Ruão para consultar os cristãos novos portugueses ali residentes. Além da questão dos créditos que buscava para o reino, Vieira empenhou-se com os judeus sobre o projeto de os restituir à pátria. Naquela cidade florescia então, com o consentimento tácito das autoridades, o judaísmo, e era ela, quase tanto como Holanda, refúgio dos hebreus portugueses.

Uma vez na Holanda entrevistou-se também com os judeus de Amsterdã e lhes fez promessas como aos de Ruão, no sentido de trabalhar para que fossem favorecidos com mercês régias os cristãos novos.

Homem preocupado com todos os assuntos que dissessem respeito a Portugal, Vieira, estava também empenhado em que Portugal reformasse os velhos galeões e adquirisse navios modernos para a sua frota. Aconselhara o rei a comprar quinze fragatas armadas, que em Holanda se ofereciam ao preço de vinte mil cruzados cada uma. Alguns desses navios foram adquiridos por intermédio do embaixador em França e ele próprio levou encargo para outros, quando no ano seguinte voltou à Holanda, para o que obteve de dois importantes negociantes cristãos novos os recursos necessários.

Sentindo o apoio firme de D. João IV, tomou Vieira a iniciativa de defender os judeus contra a Inquisição que lhes confiscava os bens antes mesmo de encontrar-lhes culpa formada..

D. João IV não podia desfazer as penas impostas ao crime de heresia pelo direito canônico, nem intervir na jurisdição do Santo Ofício. Com certeza por inspiração de Vieira, assinou um alvará que solucionava a questão, ou seja, que os cristãos novos não perdessem os seus bens quando detidos pelo Tribunal por culpas inventadas por inimigos seus. D. João se comprometia a devolver aos cristãos novos aquilo que lhes fosse confiscado, pois embora a condenação fosse feita pela Igreja, os bens confiscados destinavam-se ao Estado, deduzido pela Inquisição o necessário para sustento da sua máquina e liturgia.

O Santo Ofício protestou contra tal abolição perante o Rei e recorreu ao Papa. Os inquisidores obtiveram do Papa um breve pontifício restabelecendo o confisco. Quando apresentaram o documento a D. João IV, este argumentou que, como quem ia ficar com os bens confiscados era ele, o monarca, ele podia perfeitamente, como proprietário, devolve-los aos seus donos. Assim conseguiu manter a resolução.

Ao mesmo tempo foi criada uma companhia portuguesa para exploração das colônias com liberdade para participação de capital judeu. Inscreveram-se os cristãos novos mais ricos. Duarte da Silva, que dera o crédito para os navios de Holanda, e que em seguida fora preso pela Inquisição, estava agora com os bens desembaraçados em virtude da nova lei, reuniu-se a muitos outros, juntando-se enorme capital.

A Inquisição: primeira investigação

A inquisição, como era natural, revoltou-se, e Vieira estava publicamente comprometido com a o projeto. O caso produziu escândalo em toda a parte no país. Os amigos da Inquisição, que eram os inimigos dos cristãos novos, juntos aos inimigos de Vieira, que eram muitos, não cessavam de publicar a sua indignação. Pode-se afirmar que foi nesse tempo Antônio Vieira o homem mais aborrecido em Portugal. Uns o apodavam de traidor, por que sugeriu ao rei entregar Pernambuco aos holandeses em troca da paz, quando a questão dos fiadores parecera sem solução. Outros o infamavam de herético, por tentar restabelecer as sinagogas no reino.

Ora, o quanto acabrunhado devia andar Vieira é fácil de imaginar. Afinal, era de se esperar que Holanda fosse um país amigo de Portugal, porque também havia lutado contra a Espanha para firmar sua soberania Se havia atacado e montado um enclave no Brasil, o fizera exatamente porque era um ato hostil à Espanha herdeira do reino e das colônias portuguesas no processo de sucessão de D. Sebastião. Valia muitíssimo a pena ter novamente Holanda por aliada contra a Espanha, garantindo assim a paz e segurança de todo o império português que se desejava restaurar e fortalecer. Que isto custasse deixar os Holandeses em paz no Pernambuco, havia parecido ao estadista, a certa altura dos acontecimentos, um preço muito razoável. Quanto aos judeus, Vieira estava tão certo que, ainda hoje, não se compreende como pôde Portugal agir com tanta insensatez, expulsado de seu território justamente aqueles que haviam desenvolvido o seu comércio e haviam feito de Lisboa o mais importante porto comercial do Atlântico.

Os Inquisidores então passaram a reunir "denuncias" contra Vieira: uso de livros proibidos trazidos do estrangeiro; proposições como a da conveniência de consentir em Lisboa, como se consentia em Roma, o funcionamento de sinagogas, e várias repetições, pelos denunciantes, de afirmações muito conhecidas de Vieira a respeito de que se desse tratamento diferentemente a judeus e a judaizantes. Apesar de serem posturas conhecidas, ganhavam com a denuncia o caráter de novidade indispensável para criar assombro e escândalo tardio. Nada foi apurado que realmente fundamentasse um processo, mas as investigações estimularam entre os jesuítas àqueles que não compreendiam Vieira ou o hostilizavam gratuitamente.

Seus adversários em sua própria Ordem acusaram-no de hábitos mundanos, adquiridos nas missões diplomáticas, do vestuário secular que usou em lugar da batina, e de ter a seu serviço um criado que Vieira pagava para lhe facilitar a vida apertada de compromissos por toda a parte. Denuncias e queixas repetiram-se em Roma, e tantas foram que o Geral determinou fosse Vieira expulso da ordem. O Geral porem voltou atrás, quando o Provincial em Portugal informou que o rei, determinara que nada se fizesse, pois afastaria Vieira da Corte concedendo-lhe uma diocese. Mais surpreendente ainda a resposta de Vieira ao soberano, dizendo que não trocaria sua batina de missionário nem por todas as dioceses de Portugal.

Apesar de ocupado com os negócios em que era chamado a opinar ou de que era incumbido por em marcha, Vieira não abandona o púlpito nem suas obrigações religiosas, nem deixa a morada com os companheiros jesuítas. Sem dúvida lhe custava tempo a preparação de seus apreciados sermões cujas citações a filósofos, à mitologia, etc., lhe custavam estudos. Diz Lúcio de Azevedo que ante a submissão do acusado, e a atitude de franca proteção que adotara o soberano, a sanha dos acusadores afrouxou. A pena foi suspensa e depois definitivamente anulada.

Exausto talvez de tantos esforços em maquinar meios de garantir a sobrevivência da monarquia portuguesa, - mesmo que fosse às custas de casar o herdeiro português com a princesa espanhola, com a condição de que a capital do reino fosse Lisboa, e dentro da perspectiva de que esse casamento faria o príncipe português herdeiro dos dois tronos -, decide que é o momento de voltar ao Brasil.

Não que lhe faltasse a amizade do rei e do príncipe herdeiro D. Teodósio. Recebe ainda uma missão de acompanhar à Inglaterra o novo embaixador português, porém a recusa. Na data de seu embarque para o Brasil, depois de despedir-se do Rei, este tentou sustar sua viagem mandando ordem ao capitão do navio para não admitir Vieira a bordo. Pelo que diz o seu biografo sobre os pormenores de seu embarque, esse gesto do Rei possivelmente o lançou em dúvida quanto a realmente seguir para o Maranhão. Mas decidiu-se de vez e embarcou na primeira oportunidade, dois meses depois. Em janeiro de 1653, desembarcou Vieira em São Luís do Maranhão como superior dos missionários jesuítas.

Volta ao Brasil: Missão no Norte

Na caravela em que não embarcara Vieira, haviam chegado antes dele ao Maranhão não apenas os padres dos quais ele seria o provincial, mas também um novo capitão mor que trazia carta do rei alforriando todos os índios da província. Por falta de escravos pretos, eram os índios os escravizados para os trabalho nas fazendas e na cidade. Aguardou-se a chegada de Vieira para a publicação da lei. Quando o porteiro saiu a apregoar a determinação real ao som do tambor, o povo afluiu à Câmara em protesto. A libertação dos índios causaria a perda econômica que seria fatal para a província. Atribuíram aos jesuítas haverem conseguido aquela lei dada pelo monarca e se indignaram contra os padres, clamando expulsão e mesmo morte, para Vieira e seus companheiros.

Vieira habilmente encontrou a solução que apaziguou momentaneamente os ânimos. Propôs que aqueles índios que eram legalmente escravos fossem assim mantidos, mas aqueles mantidos ilegalmente em cativeiro fossem daí por diante pagos como trabalhadores livres. Como os colonos não tinham propósito algum de pagar, aceitaram satisfeitos a solução e voltaram com seus índios para suas fazendas onde a situação dos silvícolas continuou a mesma.

Desde a chegada desejou Vieira que as aldeias fossem, como na Bahia, entregues à direção dos missionários, e pôs logo seu cuidado em visita-las. Tarefa penosa, pelos descômodos e fadigas que impunha; as milhares de picadas de mosquito dia e noite, o que, porém, ele aceitava de bom grado, pelos frutos que esperava de tantos trabalhos e privações. Seu zelo levou-o até o Pará onde, com alguns padres, navegou em canoas com extraordinário risco para avaliar a potencialidade da província a seu cargo para o ministério jesuítico.

A questão dos índios não chegava por nenhum dos lados a solução aceitável: nem os colonos desistiam do sistema de escravidão que tinham instituído; nem os jesuítas deixavam o propósito de lhes subtrair, ou pelo menos limitar, o domínio sobre os silvícolas cristianizados.

Achando-se os jesuítas acuados e limitados pelo poder dos fazendeiros, decidiu Vieira com seus companheiros que iria ele a Portugal tratar as questões com o rei.

A segunda viagem a Portugal. Em breve visita a Portugal de 1654 a 1655 ele obteve decretos protegendo os índios da escravidão e um monopólio para os jesuítas na proteção dos índios.

Viagem atribulada, o barco enfrentou uma tempestade quando já próximo aos Açores, chegando a virar sobre um dos bordos, salvando-se por reconhecido milagre a tripulação e passageiros. Um pirata holandês os encontrou, confiscando a carga de açúcar que levavam, mas deixando-os em segurança no porto da Graciosa. Com o dinheiro que havia manejado esconder, Vieira comprou roupas e comestíveis para todos e meios para continuarem para Lisboa. Ficou nas ilhas por mais de dois meses até partir para Lisboa em um navio inglês.

Em Lisboa voltou a pregar na Capela Real, com outros pregadores reais. Seu tema era principalmente a corrupção dos políticos, de cujos efeitos acabava de sofrer no Brasil. O rei que andara doente à época da chegada de Vieira, em nada se sentiu atingido pelo cáustico moralista, e atendeu plenamente às reivindicações que lhe apresentou Vieira. Foi instituída administração conjunta do Pará e Maranhão, o que deveria minorar os problemas enfrentados pelos jesuítas e, mais ainda para satisfação de Vieira, caberia a André Vidal de Negreiros, herói pernambucano na luta pela libertação de Pernambuco, e que já estava nomeado para o governo do Maranhão, governar conjuntamente as duas províncias.

Reunidos o futuro governador, Antônio Vieira e altos funcionários, assentou-se o regime definitivo dos índios livres, em um estatuto próprio que fixava o quando deveriam receber como salário mínimo pelo seu trabalho, e outras disposições solicitadas pelos jesuítas no sentido de proteger os silvícolas. André Vidal partiu em 1654 e Antônio Vieira algum tempo mais tarde. O rei o proibiu de embarcar mas, tendo Vieira lhe proposto que ouvissem a opinião dos jesuítas sobre ficar ele em Lisboa ou retornar ao Brasil, e tendo esses decidido, por maioria, que seria melhor para a Ordem que retornasse ao Brasil, o soberano aquiesceu em autorizar sua partida.

Sedição do Maranhão

No norte, as lides de Vieira voltaram a ser as viagens visitando as aldeias, ensinando e pregando, algum tempo lhe estava ainda para o devaneio.

Em janeiro de 1661, no Pará, a Câmara representou aos missionários pedindo com urgência que se pudesse com urgência arregimentar índios no mato, para o trabalho escravo, Rebateu Vieira dizendo que as causas dos problemas econômicos eram bem diversos

Entretanto surgiu novo conflito, suscitado por uma imprudência de Vieira, do qual tiraram seus opositores grande partido. Foi o caso do chefe da aldeia de Maracaná, a cargo dos jesuítas, no Pará. O índio vivia em concubinato com uma cunhada, um mal exemplo que os padres queriam suprimir. Vieira escreveu-lhe uma carta amável, solicitando que viesse ao colégio onde, chegando, foi desarmado e preso em ferros em uma cela, passando depois ao calabouço do forte de Gurupá. Ao protesto dos índios seguiu-se o da câmara, associando-se a ele as ordens monásticas. O escândalo uniu os padres de outras ordens aos colonos e no inquérito a que se procedeu pelo Ouvidor Geral, em São Luís, os prelados do Carmo, S. Antônio e Mercês, que chegavam do Pará, depuseram em concordância com a representação dos índios.

Ao declarar-se a sedição no Maranhão, Antônio Vieira fazia caminho de Belém a S. Luís. Já próximo da cidade, recebeu carta do governador colocando-o a par da revolta e recomendando que não entrasse em São Luís. Pôs se de volta a Belém onde pretendia acalmar os índios para que não fugissem para os matos, assustados com as notícias que se espalhavam .

Menos de um mes passado, também no Pará rebentou a comoção contra os padres. Como em São Luiz, também em Belém o povo assaltou o colégio e pôs em custódia os jesuítas. Antônio Vieira ficou apartado dos companheiros em uma pequena igreja . Uma índia, Mariana Pinto, que depois foi irmã, conseguia passar a Vieira alguma ligeira refeição, até que entre homens armados o embarcaram para São Luís. Da canoa foi transposto para a caravela que, em 1661 levou todos os padres para a Europa. Vieira não descansava nunca; nesta viagem compôs e proferiu um dos seus mais belos sermões, o do Rosário, que fez ouvir, no domingo 9 de outubro, a seus companheiros na aventura marítima, gente de bordo e passageiros.

Terceira viagem à Europa

Em 1661, Vieira foi expulso para Portugal. Deteve uma situação a ele favorável na Corte, mas que depois reverteu-se inteiramente em contrário. Falecido D. João IV em 1656, e porque falecera também D. Teodósio, primeiro na ordem da sucessão, sucedeu ao pai D. Afonso VI, com 13 anos de idade, sob regência de sua mãe, Da. Luiza de Gusmão (1656-1683). A rainha regente era contrária a entregar o reino a esse filho por sua notória incapacidade para governar; era a favor de que fosse aclamado o irmão mais moço, D. Pedro.

Vieira encontra seu lugar na corte, como em épocas passadas, mais ainda quando a regente, no embate das intrigas e paixões em que a corte refervia, tanto necessitava do conselho e auxílio de homem tão experimentado como o missionário recém chegado do Maranhão. Vieira que muito bem conhecia a vida desregrada do jovem príncipe, pois que toda preparação para reinar havia sido dada a D. Teodósio, coloca-se ao lado da rainha.

Porém já no ano seguinte, em 1662, alguns nobres amigos do herdeiro se puseram a seu lado e o levaram a estabelecer seu governo em Alcântara. Diante desse golpe, não teve outra alternativa a rainha senão passar a D. Afonso os selos do Estado. Os partidários de D. Pedro foram punidos, e Vieira que foi desterrado para o Porto.

Nesse mesmo ano a princesa Catarina de Bragança, irmã de D. Afonso, casou com Carlos II da Inglaterra. Em troca de um rico dote, e de favoritismo comercial, a Inglaterra forneceu armas e soldados para a guerra contra a Espanha. As defesas portuguesas foram então organizadas por um militar alemão, Friedrich Hermann von Schönberg.

Afonso VI era considerado débil mental, e o país governado por Luiz de Vasconcelos e Souza, conde de Castelo Melhor até 1667. Em seu reinado os portugueses, sob o comando de Shönberg, obtiveram várias vitórias contra a Espanha, que em 1668 reconheceu a independência de Portugal. Foi casado com Maria Elizabeth Francesca de Sabóia (princesa francesa) que conspirou com seu irmão Pedro para afastar Castelo Melhor e anular o casamento com Afonso VI. Ela casou com Pedro em 1668, e Afonso VI foi persuadido a passar o trono para seu irmão que poderia ter um herdeiro e foi declarado regente. Desde então o rei foi mantido prisioneiro em Sintra, onde morreu.

No Brasil Vieira havia assentado as bases do que pretendia seria sua grande obra sobre a interpretação dos profetas, que na verdade nunca chegou a publicar. No desterro do Porto retoma seu trabalho intelectual. Faz a revisão de dezesseis volumes de Sermões para dar ao prelo e continua a rascunhar o Clavis prophetarum. Era Vieira bem vigiado pelos partidários de D. Afonso aos quais deixá-lo no Porto pareceu inconveniente. Cogitaram de desterrá-lo para Angola, mas se concluiu por deixá-lo preso no Colégio da Companhia em Coimbra.

Processo na Inquisição

Por falta de amigos na corte, foi aprisionado pela Inquisição que vinha preparando um processo contra ele havia algum tempo. As investigações sobre Vieira arquivadas no Santo Ofício foram reabertas. O decreto do Conselho Geral ordenou ao Tribunal de Coimbra mandasse ir à mesa o jesuíta e o interrogasse sobre o seu escrito *As Esperanças de Portugal em que anunciava a ressurreição de D. João IV, e por seu exagerado interesse em favor dos judeus e cristãos novos. Não pode ser ouvido porque estava doente, do impaludismo contraído no sertão amazônico, cujas crises freqüentemente o prostravam. Ultimamente os incômodos se agravaram de complicações bronquiais, com hemoptises que faziam temer ao doente a tuberculose, doença vulgar na Companhia, devido às macerações e canseiras da vida missionária, e cujo contágio era facilitado pela vida em comunidade. Em maio os médicos aconselhavam a mudança de ares.

Determinaram os superiores fosse o doente para residência do Canal, junto a Buarcos.
Respondeu Vieira que era certo haver feito um papel, em que anunciava a ressurreição de D. João IV, o qual mandara para ser apresentado e servir de consolo à Rainha viúva. Baseava seus dizeres no Gonsalianes Bandarra, a quem todos tinham por profeta, se não em sentido canônico, mas no sentido que era o terem se cumprido as coisas profetizadas. E esclareceu o seu interesse meramente em favor da economia do reino, na questão hebraica.

Apesar de não encontrar nele falta grave, e mesmo antes de ser julgado, determinou a Inquisição sua prisão no cárcere do Santo Ofício, onde ficou por 26 meses até a véspera do natal de 1667. Continuou preso no Colégio da companhia em Coimbra, e mais tarde, por pedido seu, foi autorizado transferir-se para o noviciado em Lisboa. Pouco depois o Provincial da companhia requereu lhe fossem as penas perdoadas, e isto foi atendido ficando em vigor unicamente a obrigação de não tratar o réu das proposições suspeitas.

Sua vida se recompôs. Do palácio lhe veio o aviso de que haveria de pregar na Capela real por ocasião do aniversário da Rainha. Não pregou dessa vez, mas fez vários sermões nos meses seguintes. Magoado, disse em um sermão na Capela Real uma frase que ficou conhecida: "Se servistes a pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma; mas que paga maior para um coração honrado que ter feito o que devia?"

Vida em Roma

Vieira estava porém decido a alcançar em Roma a revisão do seu processo na Inquisição. Pronunciou seu último sermão em Lisboa na festa de Santo Inácio, na matriz de Santo Antão, um extraordinário triunfo oratório. O povo, sabendo que ia pregar naquele dia, logo ao alvorecer e antes que se abrisse a igreja já se achava o largo fronteiro pejado de curiosos. Abertas as portas, num instante ficou lotada a igreja.

A fim de lhe facilitar instalar-se em Roma, recebeu da Companhia de Jesus o encargo de tratar assunto de interesse da Companhia, que era o de tratar da canonização de quarenta padres da companhia, trucidados por piratas calvinistas em 1570 quando iam para o Brasil.

Chegando a Roma, alguns padres foram em carros encontrá-lo no caminho, e a esta homenagem se somou a recepção que o Geral e mais padres lhe fizeram. Sua chegada, no entanto, coincidiu com o falecimento do papa Clemente IX e eleição do papa Clemente X, e isto o obrigaria a adiar seu trabalho junto à Cúria.

Os padres da companhia insistiram com Vieira que pregasse. O Geral João Paulo Oliva manifestou seu desejo que aprendesse o italiano e se dispusesse a pregar ante os cardeais e nobreza romana, o mais culto auditório do mundo. Relutante talvez por cansaço, Vieira não teve escolha quando o Geral impôs-lhe obediência no assunto. Pregou pela primeira vez em italiano em Outubro de 1672 na festa de São Francisco de Assis. Concorreram pessoas notáveis da nobreza romana, alguns prelados e seis cardeais. Seguiram-se vários outros sempre concorridos. Tanto era o interesse em ouvi-lo que, diz Lúcio de Azevedo, tornou-se necessário colocar soldados às portas dos templos onde ia pregar, para impedir que se apossasse o público dos lugares, antes de chegarem as dignidades eclesiásticas e pessoas de representação. Ao sermão, na igreja de S. Lourenço em Damaso, no ano seguinte de 1673, estiveram presentes dezenove cardeais.

Residia em Roma uma outra celebridade, a rainha Cristina da Suécia, que havia renunciado ao trono de seu país. Admirada pelo desenvolvimento industrial e comercial que promoveu, sua renúncia súbita do trono sueco causou surpresa em toda a Europa. Patronisa das artes e da ciência, convidou importantes intelectuais estrangeiros para visitar seu país, inclusive René Descartes, que lhe deu lições de filosofia e morreu na sua corte, em Estocolmo. Renunciou por dois motivos: porque não desejava casar para dar um herdeiro ao reino da Suécia e também porque havia se convertido secretamente ao catolicismo, religião proibida na Suécia.

Em dezembro de 1655 fixou-se em Roma, acolhida pelo Papa Alexandre VII. Tornou-se sensação em Roma, onde comprou um palácio. Depois de ausentar-se em uma conspiração armada em Paris, em que, com a ajuda dos franceses, pretendia sair rainha do reino de Nápoles, precisou de um perdão papal para voltar a viver em Roma.

Foi amiga do cardeal Décio Azzolino, um líder político dos cardeais em Roma, de quem fez seu herdeiro. Ligou-se aos papas, recebeu uma pensão que ajudou-a a manter-se com os recursos que recebia da produção de suas terras na Suécia. Em seu palácio em Roma tinha coleções de pintores famosos, esculturas e o local tornou-se ponto de encontro dos intelectuais e músicos famosos da época. Sua biblioteca hoje faz parte da Biblioteca do Vaticano e seu túmulo (faleceu em 1689) está na Basílica de São Pedro.

Vieira pregou especialmente para a Rainha na quaresma do mesmo ano em que chegou a Roma, e por insistência dela junto ao Geral, - que novamente exigiu de Vieira um ato de obediência -, tornou- se pregador de sua corte. Estreou com uma série de sermões intitulados "As cinco pedras de David". Incluído em seu círculo, a que chamava Academia da Arcádia para filosofia e literatura, o Padre Vieira travou um debate filosófico que lhe valeu aplausos. Nessa Academia os grandes letrados discutiam os problemas mais diversos e faziam conferências para um círculo seleto da nobreza romana.

Através de farta correspondência, trocada inclusive com D. Pedro, Vieira acompanhava de Roma os acontecimentos em Lisboa. Repercutiu em Roma o novo recrudescimento da perseguição aos cristãos em Portugal, no ano de 1672.

Numa manhã de junho apareceu violado o sacrário da igreja do mosteiro de Odivelas. Crer que fosse a ação de herege, e mais particularmente hebreu, era conseqüência natural. Exaltaram-se os ânimos na capital e em todo o país. A 25 de agosto foi ordenada a expulsão de todos os indivíduos penitenciados pelo Santo Ofício desde o último perdão geral, isto é de 1605, pena que abrangia os filhos daqueles que, com veementes suspeitas de heresia, abjuraram, e os filhos e netos dos que tinham confessado, portanto vários milhares de pessoas. Vieira escreve a D. Rodrigo de Meneses, seu amigo, externando sua desaprovação ao decreto de expulsão e informando que a opinião comum era também contrária em Roma e toda a Europa.

Um protesto sem assinatura encaminhado a D. Pedro, e no qual em toda a extensão se enumeravam os inconvenientes da resolução foi logo atribuído a Vieira, e hoje está incluído em suas obras. Apontava a liberdade de crença e, separados os judeus que o quisessem ser, aqueles que permanecessem católicos não se lhes podia por em dúvida a sinceridade, nem de se unirem a cristãos velhos resultaria dano à fé.

Através de cartas, Vieira instigava o príncipe regente a proceder segundo o exemplo de D. João IV que em 1649 concedera aos cristãos novos licença igual a que agora solicitavam para recorrerem ao Pontífice. Todo seu empenho era que a contenda se transferisse para Roma, onde os recorrentes tinham modo de captar os votos e ele meio de cooperar nas diligências.
Afinal, em julho, decidiu-se conceder o que, - a troco de apreciáveis vantagens na formação de uma Companhia que daria apoio a Portugal na Índia -, os homens de negócio pediam: a licença para requerem em Roma a reforma da Inquisição. Vieira deveria escrever ao Pontífice, a recomendar a súplica, e apontando como providencia complementar necessária o perdão geral.
Porém, soando então que tinha o Regente acedido as reclamações dos hebreus, que ia haver sinagoga pública em Lisboa, e que entre os proponentes do negócio da Índia se achavam judeus declarados, vindos de Roma por comissão do Padre Antônio Vieira, os inimigos dos cristãos novos romperam em protestos ruidosos. Alegava-se nos círculos da Inquisição em Lisboa que só das confiscações de bens relativas aos réus então nos cárceres prometia 500 mil cruzados, e para o futuro quantias superiores, para que pois a condenável transação com os hereges?
Recrudesceu em Portugal a perseguição aos cristãos novos pelo Santo Oficio. Choviam as delações e acumulavam-se os presos nos cárceres. Nos últimos dias de julho de 1672 foram recolhidos à inquisição em Lisboa alguns dos mais graduados comerciantes da cidade.
Já com 65 anos, Vieira sofria recidivas de seus achaques do tempo dos interrogatórios da Inquisição. Ausentou-se de Roma para se recuperar, em Albano, dos ferimentos sofridos em uma queda na escada de pedra da residência. O clima em Roma definitivamente o prejudicava na sua saúde.

Uma delegação portuguesa chegada a Roma para tratar assuntos da Igreja e particularmente da Inquisição deu a conhecer a Vieira que o rei D. Pedro (Regente de 1668-1683, Rei 1683-1706) desejava que retornasse a Portugal. Vieira hesita. A insistência do Rei termina por convencê-lo a partir, embora receasse muito o que lhe poderia acontecer no seu retorno, por parte da Inquisição portuguesa, e por achar que nada poderia ajudar mais a seu país.

Em Roma, insistiam em que ficasse. O Geral, que havia antes dissuadido Vieira de recorrer ao Papa contra a Inquisição portuguesa, por temer os estremecimentos que daí poderiam resultar, agora, cioso dos perigos que correria Vieira retornando a Portugal, quando foi decidido que regressaria, cuidou de lhe alcançar a imunidade contra o tribunal português.

Em sua defesa Vieira apontava os defeitos do processo e os defeitos da sentença, esta lançada de modo a exagerar as aparências de culpa e relevar pouco o que poderia recomendar sua absolvição. Arrolou os maltratos que padecera: treze meses de detenção antes de ser pela primeira vez interrogado; não se lhe consentir em dizer missa, o que muitas vezes pedira, nem confessar-se e comungar, senão uma vez pela quaresma; extorquirem-lhe os papeis em que preparava a defesa, e recusarem-lhe livros inclusive a Bíblia.

Sobre as culpas que lhe apontaram os Inquisidores citou o memorial a favor dos cristãos novos de 1643; a criação, a esforços seus, da Companhia de comércio, de que resultou ser depois da morte excomungado D. João IV e todos aqueles que tomaram parte no conselho onde se resolveu a instituição, por Breve obtido sub-repticiamente do Santo Padre sem a declaração das pessoas atingidas; e a defesa da Companhia de Jesus no conflito com a Inquisição ocorrido em Évora, por ter dito na ocasião que "Os inquisidores viviam da fé e os jesuítas morriam por ela" . E dizia mais que haviam tomado como pretexto também a carta em que afirmava a crença na ressurreição de D. João IV e nos vaticínios do Bandarra demonstrando, quanto a esse último item, que a crença em Bandarra era quase geral e forte no seio da Igreja, porque muitas de suas previsões haviam se confirmado, e cita o memorial oferecido pelo Bispo do Porto, Nicolau Monteiro, ao Papa Urbano VIII no qual as profecias do Bandarra são invocadas como argumento.

Assim, por Breve de 17 de Abril de 1675, foi isento Vieira para sempre da jurisdição dos Inquisidores de Portugal e seus representantes, e sujeito unicamente à Congregação do Santo Ofício de Roma; conjuntamente absolvido de quaisquer censuras, interdito ou penas eclesiásticas em que se achasse incurso até então.

Retorno a Portugal e à Bahia. Em maio Vieira deixou a capital romana onde fora durante seis anos admirado e prestigiado. No caminho foi hospede do Grão Duque em Florença; de lá se passou a Gênova e embarcou para Marselha de onde seguiu por terra para Toulouse e lá embarcou pelo rio Garona até Bordéus. A rainha da Inglaterra, a portuguesa Dona Catarina, o convidara para dali seguir para Londres, mas Vieira, por cansaço ou por pressa de chegar a Portugal, não atendeu ao convite, desembarcando em Lisboa em Agosto.

Vieira permaneceu no reino por mais de cinco anos depois que, chamado pelo Príncipe, tornara a Lisboa. Em todo esse período somente uma vez pudera intervir de modo efetivo em negócios públicos, quando convocado em 1680 a participar na junta de Conselheiros do Estado e Ultramarino.

Com a idade avançada, pensa em retornar a sua província no Brasil. Recebeu ainda um chamado da rainha Cristina, encaminhado pelo Geral da companhia, para que retornasse a sua corte em Roma, que recusou, alegando idade e as doenças. Hesitava entre retornar ao Maranhão ou à Bahia. Partiu a 27 de janeiro de 1681 na companhia de outros missionários que iam para a Bahia.
Das primeiras notícias que recebeu de Portugal, chegado definitivamente ao Brasil, foi de uma troça de estudantes em Coimbra, simulando um auto de fé e que os estudantes e a ralé da cidade o queimaram em esfinge aos gritos de "Padre Vieira, vendido aos judeus".

Não parece ter sido de tédio a vida de Vieira, após retornar ao Brasil. Logo que chegou, foi intenção sua viver retirado na quinta do Tanque, de propriedade dos Jesuítas nas vizinhanças da cidade. Seu propósito consagrar-se à ascese e à conclusão dos sermões, que ia reconstruindo de fragmentos e notas e da memória, e concluir outros trabalhos literários. Mas esse retiro não foi possível. Não podia desaparecer sem que a curiosidade o seguisse. Eram duques, marqueses, arcebispos, a solicitar aos irmãos jesuítas notícias de Vieira.

Logo está a trocar assiduamente cartas com amigos na Europa, enquanto trabalha na revisão dos seus sermões. É também involuntariamente envolvido num incidente político desagradável, relativo a seu irmão que vivia na Bahia, Bernardo Vieira Ravasco, e um dos filhos deste, Gonçalo Ravasco. Foi o assassinato do Alcaide, tocaiado à luz do dia e morto perto do Colégio por oito mascarados que em seguida ao crime refugiaram-se na casa dos jesuítas. Lá estava escondido também o referido sobrinho de Vieira, Gonçalo Ravasco, por uma briga que tivera com um meirinho. Daqui nasceu dizer-se que o homicídio do alcaide fora planejado no interior da residência, em conciliábulo a que tinham assistido o filho e o irmão de Antônio Vieira, versão logo aceita pelos inimigos dos jesuítas.

Vieira tinha a intenção de reunir seus sermões em 12 volumes, e já publicara 7. O trabalho exigia grande aplicação porque a maior parte das prédicas estava em notas algo desordenadas. A coleção consta de sermões pregados em diferentes épocas, remontando a antes de 1640 na Bahia.

Com as rendas de seus sermões publicados Vieira se mantinha e também a um secretário, e o restante empregava em socorrer as necessidades dos índios nas missões.

O livro que Vieira pensava seria sua grande obra, nunca saiu a lume: De regno Christi in terris consummato, ou por outro nome, Clavis prophetarum, em quatro livros. Era uma publicação aguardada com interesse. Meditada nos caminhos e rios da Amazônia, começada ao sair da Inquisição, continuada em Roma e Lisboa, era a ocupação em que mais tinha gosto. Por mais de trinta anos ele tinha burilado o texto, e continuava ainda a aprimorá-lo. Agora, perto de nonagenário, fisicamente inválido, possuía ainda clareza das idéias, a agudeza do verbo para concluí-la. Esta obra sumiu-se quase por completo, ficando apenas algumas copias mutiladas. Supõe-se que foi roubada por ocasião de sua morte.

Tendo a rainha Dona Maria Francisca Isabel de Sabóia falecido, houve grandes homenagens na Bahia. Obedecendo a determinação ao Marques das Minas, o Padre Antonio Vieira fez um sermão, apesar da "falta de dentes e de voz e todos os outros achaques da velhice...", contou ele em carga de agosto de 1684 ao marquês de Gouveia.

D. Pedro II, que ainda não tinha herdeiros, casou-se novamente, em dezembro de 1686, com Dona Maria Sofia Isabel de Neuburgo, filha do Eleitor Palatino Filipe Guilherme de Neuburgo, que lhe deu cinco filhos. Mais tarde, além dos sermões antigos, de que ia sucessivamente mandando os volumes para publicação em Lisboa, preparou Vieira entre 1691 e 1693 um tomo de sermões de São Francisco Xavier, por encargo da nova Rainha, particularmente devota do apóstolo a Índia.

Adoentado, em 1969 Vieira suspendeu sua correspondência com seus admiradores. Repetir-se-ia o acidente de 1673 em Roma: aos 85 anos, já trôpego, caiu de noite por um lance de escada de pedra. Além de ficar molestado em todos os membros, por muito tempo não pode segurar a pena.

Dois anos depois saia da imprensa o undécimo volume de sua coleção dos Sermões, oferecido à rainha Dona Catarina. O último volume, o duodécimo, foi acabado no ano de sua morte, em 1697, A mesma nau em que viajou o manuscrito trouxe a Lisboa a nova de ter falecido o autor.

Pensamento

Vieira considerava-se filósofo, não só "filósofo natural", mas "filósofo cristão". Professor de retórica, compôs para seu uso um curso de filosofia. Seus conhecimentos de história e filosofia transparecem em milhares de comparações e metáforas nos seus sermões. Toda uma monografia seria pequena para considerar o que nos sermões de Vieira há de assuntos filosóficos.
O pensamento de Vieira é genuinamente moderno, apesar de viver na época em que, não só em Portugal como em boa parte da Europa, ainda domina o aristotelismo e a filosofia escolástica ensinada pelos jesuítas, e apesar de ser ele mesmo um padre jesuíta. Para comentar suas idéias vamos utilizar os mesmos trechos selecionados por Ivan Lins como os mais significativos da sua obra.

Contra a lógica e a autoridade Aristotélicas. Rejeitava Vieira o princípio de autoridade própria da escolástica, sancionada pela Igreja e reforçada pelo poder real, para, em substituição, valorizar a experiência como caminho da certeza. No seu Primeiro Sermão da Terceira Dominga do Advento que demonstra claramente sua postura filosófica moderna, realçando o valor da experiência contra o vazio da especulação filosófica aristotélica dedutiva. Diz Vieira: "Nenhuma coisa houve mais assentada na Antigüidade, que ser inabitada a zona tórrida; e as razões com que os filósofos o provaram, eram ao parecer tão evidentes, que ninguém havia que o negasse." As viagens dos descobrimentos provaram ser errada a lógica dos aristotélicos, porque existiam de fato terras habitadas nos trópicos. A verdade foi provada pela experiência de buscar e de ver: "Descobriram, finalmente, os pilotos e marinheiros portugueses as costas da África e da América, e souberam mais e filosofaram melhor sobre um dia de vista que todos os sábios e filósofos do mundo em cinco mil anos de especulação".

A propósito de sua postura filosófica, e para não deixar em ninguém qualquer dúvida de que Vieira se alinha com o pensamento dos filósofos modernos, basta ver a carga de acusações que lhe faz a Inquisição portuguesa, entre elas a de fazer uso de livros proibidos trazidos do estrangeiro. Ora, os livros proibidos em Portugal são principalmente os livros dos filósofos empiristas ingleses e de seus aderentes e comentaristas franceses.

Inclusive em seus erros Vieira está emparelhado aos filósofos de seu tempo, pois é uma característica do início da idade moderna a crença em certas forças ocultas, nas quais esses filósofos acreditavam e para cuja explicação queriam encontrar um caminho filosófico próprio, diferente tanto da superstição quanto de sua qualificação religiosa como forças demoníacas. Assim foi com Giordano Bruno, Campanella, e outros, não faltando sinais de propensões esotéricas no próprio Bacon e em Locke. Vieira parece tocado pelas profecias de Bandarra e as utilizou para o fim de inflamar o nacionalismo dos portugueses, e terá que explicar essa atitude aos seus inquisidores, no seu martírio perante o Santo Ofício. Sua crença nos malefícios dos cometas é a mesma que têm os grandes filósofos e matemáticos da época moderna.

A respeito escreveu o opúsculo: Voz de Deus ao Mundo, a Portugal e à Bahia: Juízo do cometa que nela foi visto em 27 de outubro de l695 e continua até hoje, 9 de novembro do mesmo ano.
Finalmente, a perseguição pela Inquisição é outro elemento identificador do filósofo moderno, pois o Santo Ofício está precisamente atento e contrário à filosofia moderna quanto a seus métodos, idéias e descobertas.

O desassombro de Vieira em defender a ordem prática, a liberdade de culto, o repatriamento dos judeus portugueses, tudo representa uma inimaginável revolução e um rompimento com o pensamento medieval que vai acontecer de fato somente mais de um século depois, e ainda assim apenas parcialmente, no governo de Pombal. Até lá a idéia de padroado e o absolutismo monárquico, o ensino jesuítico e a Inquisição manterão ao largo a ciência e a liberdade de pensamento, em Portugal e no Brasil. E Vieira já dizia, no Sermão da Sexta-feira da Quaresma, de 1662, em plena Capela Real:, numa velada crítica a São Tomás, o Doutor Angélico: "porque até entre os anjos pode haver variedade de opiniões, sem menoscabo de sua sabedoria, nem de sua santidade; e para que acabe de entender o mundo, que ainda que algumas opiniões sejam angélicas, nem por isso são menos angélicas as contrárias". Este Sermão é todo vazado em termos de aprovação da verdade, e contrário ao culto da autoridade, não importando quem fala, mas a verdade do que é dito. E no Sermão de São Pedro, de 1644, adverte: "Ora, desenganem-se os idólatras do tempo passado, que também no presente pode haver homens tão grandes como os que já foram, e ainda maiores".

Vieira é um dos primeiros a assinalar com entusiasmo o valor das invenções modernas. Em seu História do Futuro admira-se do poder que a pólvora trouxe para a arte da guerra, e a bússola para a arte de navegar, e louva a invenção da imprensa, pela qual "a doutrina (a religião) e a ciência particular dos homens insignes se faz comum a todos em tão distantes lugares...".
Está, sem dúvida muito a par do que escreve seu contemporâneo Descartes, um autor proibido, e com ele concorda aderindo claramente à posição dualista revolucionária daquele filósofo, inteiramente contrária à concepção tomista de unidade substancial do homem ao afirmar, no Sermão 27º. do Rosário", que o homem "é feito de duas peças, alma e corpo". Seu comentarista Ivan Lins também dá como inquestionável que Vieira tenha lido "Os Meteoros", de Descartes, o qual havia realizado experiências para reproduzir o arco-íris e descobrira que era apenas refração da luz e não milagre celeste em cada aparição nos céus. Vieira diz: "na Íris ou Arco celeste, todos os nossos olhos jurarão que estão vendo variedade de cores: e contudo ensina a verdadeira Filosofia que naquele Arco não há cores, senão luz e água".

Psicologia

A quantos ilustres filósofos e psicólogos não se antecipa Vieira ao afirmar, como faria pouco depois Pascal, que a razão tem razões que não lhe são próprias, mas que partem do coração? É o que ele diz no Sermão da Quinta Quarta-feira da Quaresma, de 1669: "E os erros dos homens não provêem apenas da ignorância, mas principalmente, da paixão. A paixão é a que erra, a paixão a que os engana, a paixão a que lhes perturba e troca as espécies para que vejam umas coisas por outras. Os olhos vêm pelo coração, e assim como quem vê por vidros de diversas cores, todas as coisas lhe parecem daquela cor, assim as vistas se tingem dos mesmos humores, de que estão, bem ou mal, afetos os corações". Um século depois Pascal teria falado assim, não fosse sua irresistível fascinação, tipicamente francesa, por cunhar frases de efeito, donde seu dito: "O coração tem razões que a própria razão desconhece"...

Na psicologia de Vieira encontramos também uma teoria sobre os sonhos em que os dá como realização dos desejos do indivíduo, deixando para Freud apenas acrescentar sua teoria dos símbolos oníricos. É verdade que Vieira inicia com a teoria inventada por Aristóteles, em que este se vale de analogia tipicamente desprovida de base experimental. Mas Vieira corrige seu curso terminando por afirmar, nos Sermões de São Francisco Xavier Dormindo: "Os sonhos são uma pintura muda, em que a imaginação a portas fechadas, e às escuras, retrata a vida e a alma de cada um, com as cores das suas ações, dos seus propósitos e dos seus desejos." E prossegue com grande riqueza de exemplos.

História

Em sua História do Futuro advoga Vieira uma ciência da história, para que os historiadores se afastem os erros que cometem por culpa da paixão. "Quem quiser ver claramente a falsidade das histórias humanas, leia a mesma história por diferentes escritores, e verá como se encontram, se contradizem e se implicam no mesmo sucesso, sendo infalível que um só pode dizer a verdade e certo que nenhum a diz". No Discurso apologético - Palavra do Pregador empenhada e defendida, Vieira define a história como "aquele espelho em que olhando para o passado, se antevêem os futuros"

Raças

A tão aplaudida afirmação de Buffon, um século depois de Vieira, de que o clima influi nas raças determinando-lhes a cor da pele não representava nenhum risco para aquele cientista, ao contrário do perigo que representou para Vieira, um século antes, afirmar a mesma tese, contrária à tradição bíblica da maldição de Noé contra Cam e seus descendentes. Diz Vieira, em outro trecho do Sermão da Epifania pregado na Capela Real em 1662: "a causa da cor é o sol. As nações, umas são mais brancas, outras mais pretas, porque umas estão mais vizinhas, outras mais remotas do sol". E Vieira sabia de experiência, porque andou por onde Buffon nunca esteve.
Vieira era também um defensor dos direitos humanos e pregou contra a exploração do negro e do índio, para grande aborrecimento dos colonos brancos no Brasil. Vários de seus discursos versam sobre a situação dos escravos africanos. Não se pode, é claro, saber quais sentimentos teria Vieira, colocando-se ao lado dos judeus e cristãos novos portugueses, porque tudo que lhe era permitido alegar, e ainda assim com grande risco para si como ficou provado, era um motivo patriótico. É verdade que seu envolvimento nos negócios do Estado abriram seus olhos para o vulto dos recursos exigidos para a restauração do reino, e os judeus representavam riqueza. No entanto, ele busca favorecer os judeus além do que os interesses econômicos requeriam que fizesse. Mostra nas reivindicações pelos judeus igual pertinácia e igual risco quanto teve na defesa dos índios do Maranhão.

O sistema solar

Na ambigüidade do seu Sermão da Primeira Dominga do Advento, pregado em 1652 na Capela Real, podemos ver o Vieira dividido entre aquilo que estava obrigado a dizer e aquilo em que realmente acreditava a respeito do Universo. Primeiro, negando, ele diz: "Copérnico, insigne matemático do próximo século, inventou um novo sistema do mundo, em que demonstrou ou quis demonstrar (posto que erradamente), que não era o sol o que se movia e rodeava o mundo, senão que esta mesma terra em que vivemos, sem nós o sentirmos, é a que se move, e anda sempre à roda. De sorte que, quando a terra dá meia volta, então descobre o sol, e dizemos que nasce, e quando acaba de dar a outra meia volta, então lhe desaparece o sol, e dizemos que se põe." E continua, agora com fé: "E a maravilha deste novo invento, é que na suposição dele corre todo o governo do universo, e as proporções dos astros e medidas dos tempos, com a mesma pontualidade e certeza com que até agora se tinham observado e estabelecido na suposição contrária."

Neste campo Vieira também conhece a dúvida que surge na primeira metade da idade moderna com respeito ao que existe entre os objetos e a mente, ou o que existe no espaço entre os astros, dado que, se o vácuo existe, então seria forçoso admitir que todas as forças e impressões se dão por um poder de influência à distância, sem nada a permear entre os objetos e os sentidos. Esta questão, ainda hoje mal resolvida, tem uma alusão no Sermão da Terceira Quarta-feira da Quaresma, pregado na Capela Real em 1670, onde Vieira diz: "Admirável é a diligência e cuidado que a natureza põe em impedir o vácuo, e que em todo o universo não haja lugar vazio".

Disputatio

Ser um filósofo moderno não erradicou do vocabulário de Vieira os jargões da escolástica nem o tirou-lhe o gosto pelas disputas com que os professores jesuítas buscavam aguçar a inteligência dos jovens discípulos. No Sermão do Rosário Vieira é o velho racionalista, e se propõe um questão daquelas insolúveis, tão a propósito para os jogos dialéticos: "Perguntam os filósofos se Deus pode fazer tudo quanto pode? Uns negam, outros afirmam, e uns e outros se implicam. Porque depois de Deus fazer tudo o que pode, ou pode fazer mais alguma coisa ou não? Se não pode, deixou de ser Deus, porque não há Deus sem onipotência. E se pode, segue-se que aquilo que fez, não era tudo", não e perfeito.

Outra manifestação desse gosto pelas disputas é a citada participação sua no torneio filosófico havido nos salões do palácio da Rainha Cristina, em Roma. No desafio, o Padre Jesuíta Jerônimo Cataneo defendeu a posição de Demócrito com respeito à avaliação da vida, enquanto Vieira defendeu a posição de Heráclito. Demócrito ria sempre e Heráclito, chorava. Diz, mais ou menos, "Se no paraíso estava ociosa a potência do chorar, na miséria de hoje está ociosa a potência do rir". Considerando a maldade do homem diz que ao certo o homem deveria chorar a respeito de sua própria maldade, mas então dá-se um paradoxo: Se não chora, mostra que não é racional: e se ri da sua própria maldade, é uma fera, mostra que também os irracionais, as feras, riem. (Sermões, Porto, 1909, vol. XV, p. 399)

(Rubem Queiroz Cobra , Doutor em Geologia e bacharel em Filosofia, Site original:www.cobra.pages.nom.br)

António Vieira na Wikipedia

António Vieira ou Antônio Vieira (Lisboa, 6 de fevereiro de 1608 — Bahia, 17 de junho de 1697) foi um religioso, escritor e orador português da Companhia de Jesus. Um dos mais influentes personagens do século XVII em termos de política, destacou-se como missionário em terras brasileiras. Nesta qualidade, defendeu infatigavelmente os direitos humanos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização. Era por eles chamado de "Paiaçu" (Grande Padre/Pai, em tupi).

António Vieira defendeu também os judeus, a abolição da distinção entre cristãos-novos (judeus convertidos, perseguidos à época pela Inquisição) e cristãos-velhos (os católicos tradicionais), e a abolição da escravatura. Criticou ainda severamente os sacerdotes da sua época e a própria Inquisição.

Na literatura, seus sermões possuem considerável importância no barroco brasileiro e as universidades frequentemente exigem sua leitura.

Biografia

Nascido em lar humilde, e mulato, na Rua do Cónego, perto da Sé, em Lisboa. Seu pai serviu a Marinha Portuguesa e foi, por dois anos, escrivão da Inquisição, tendo mudado-se para o Brasil em 1609, para assumir cargo de escrivão em Salvador, na capitania da Bahia. Em 1614 mandou vir a família para o Brasil. António Vieira tinha seis anos. Aplica-se-lhe a frase que ele mesmo escreveu: "os portugueses têm um pequeno país para berço e o mundo todo para morrerem."

No Brasil

Estudou na única escola da Bahia: o Colégio dos Jesuítas em Salvador. Consta que não era um bom aluno no começo, mas depois tornou-se brilhante. Juntou-se à Companhia de Jesus com voto de noviço em maio de 1623. Obteve o mestrado em Artes e foi professor de Humanidades, ordenando-se sacerdote em 1634.

Em 1624, quando da Invasão Holandesa de Salvador, refugiou-se no interior, onde se iniciou a sua vocação missionária. Um ano depois tomou os votos de castidade, pobreza e obediência, abandonando o noviciado. Não partiu para a vida missionária. Estudou muito além da Teologia: Lógica, Física, Metafísica, Matemática e Economia. Em 1634, após ter sido professor de retórica em Olinda, foi ordenado e em 1638 já ensinava Teologia.

Quando da segunda invasão holandesa ao Nordeste do Brasil (1630-1654), defendeu que Portugal entregasse a região aos Países Baixos, pois gastava dez vezes mais com sua manutenção e defesa do que o que obtinha em contrapartida, além do facto de que os Países Baixos eram um inimigo militarmente muito superior na época. Quando eclodiu uma disputa entre Dominicanos (membros da inquisição) e Jesuítas (catequistas), Vieira, defensor dos judeus, caiu em desgraça, enfraquecido pela derrota de sua posição quanto à questão do Nordeste do Brasil.

Em Portugal

Após a Restauração da Independência em (1640), em 1641, iniciou a carreira diplomática pois integrou a missão que veio a Portugal prestar obediência ao novo monarca. Impondo-se pela viveza de espírito e como orador, foi nomeado pelo rei pregador régio. Em 1646 foi enviado à Holanda no ano seguinte à França, com encargos diplomáticos. Era embaixador (o pai, antes pobre, foi nomeado pensionista real) para negociar com os Países Baixos a devolução do Nordeste. Caloroso adepto de obter para a coroa a ajuda financeira dos cristãos-novos, entrou em conflito com a Inquisição mas viu fundada a Companhia de Comércio do Brasil

No Brasil, outra vez

O povo de Portugal não gostava de suas pregações em favor dos judeus. Após tempos conturbados acabou voltando ao Brasil, de 1652 a 1661, missionário no Maranhão e no Grão-Pará, sempre defendendo a liberdade dos índios.

Diz o Padre Serafim Leite em "Novas Cartas Jesuíticas", Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1940, página 12, que Vieira tem "para o norte do Brasil, de formação tardia, só no século XVII, papel idêntico ao dos primeiros jesuitas no centro e no sul», na «defesa dos Indios e crítica de costumes". "Manoel da Nóbrega e António Vieira são, efectivamente, os mais altos representantes, no Brasil, do criticismo colonial. Viam justo - e clamavam!"

Em Portugal, outra vez

Voltou para a Europa com a morte de D. João IV, tornando-se confessor da Regente, D. Luísa de Gusmão. Com a morte de D. Afonso VI, Vieira não encontrou apoio.

Abraçou a profecia sebástica e por isso entrou de novo em conflito com a Inquisição que o acusou de heresia com base numa carta de 1659 ao bispo do Japão, na qual expunha sua teoria do Quinto Império, segundo a qual Portugal estaria predestinado a ser a cabeça de um grande império do futuro. Expulso de Lisboa, desterrado e encarcerado no Porto e depois encarcerado em Coimbra, enquanto os jesuítas perdiam seus privilégios. Em 1667 foi condenado a internamento e proibido de pregar, mas, seis meses depois, a pena foi anulada. Com a regência de D. Pedro, futuro D. Pedro II de Portugal, recuperou o valimento.

Em Roma

Seguiu para Roma, de 1669 a 1675. Encontrou o Papa à morte, mas deslumbrou a Cúria com seus discursos e sermões. Com apoios poderosos, renovou a luta contra a Inquisição, cuja atuação considerava nefasta para o equilíbrio da sociedade portuguesa. Obteve um breve pontifício que o tornava apenas dependente do Tribunal romano.

Em Portugal

Regressou a Lisboa seguro de não ser mais importunado. Quando, em 1671, uma nova expulsão dos judeus foi promovida, novamente os defendeu. Mas o Príncipe Regente passara a protetor do Santo Ofício e o recebeu friamente. Em 1675, absolvido pela Inquisição, voltou para Lisboa por ordem de D. Pedro, mas afastou-se dos negócios públicos.

No Brasil, pela última vez

Decidiu voltar outra vez para o Brasil, em 1681. Dedicou-se à tarefa de continuar a coligir seus escritos, visando à edição completa em 16 volumes dos seus Sermões, iniciada em 1679, e à conclusão da Clavis Prophetarum. Possuía cerca de 500 Cartas que foram publicadas em 3 volumes. Suas obras começaram a ser publicadas na Europa, onde foram elogiadas até pela Inquisição.

Já velho e doente, teve que espalhar circulares sobre a sua saúde para poder manter em dia a sua vasta correspondência. Em 1694, já não conseguia escrever de próprio punho. Em 10 de junho começou a agonia, perdeu a voz, silenciaram-se seus discursos. Morre a 17 de Junho de 1697, com 89 anos, na cidade de Salvador, Bahia

Obra

Deixou obra complexa que exprime suas opiniões políticas, sendo não propriamente um escritor e sim um orador. Além dos Sermões redigiu o Clavis Prophetarum, livro de profecias que nunca concluiu. Entre os inúmeros sermões, alguns dos mais célebres: o "Sermão da Quinta Dominga da Quaresma", o "Sermão da Sexagésima", o "Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda", o "Sermão do Bom Ladrão","Sermão de Santo António aos Peixes" entre outros.

Lendas

Existem muitas lendas sobre o padre António Vieira, incluindo a que afirma que, na juventude, a sua genialidade lhe fora concedida por Nossa Senhora, e a que, uma vez, um anjo lhe indicou o caminho de volta à escola quando estava perdido.

Padre António Vieira - por Orlando Neves

NESTE MUNDO HÁ MUITAS MISÉRIAS QUE NÃO SÃO IGNORÂNCIAS, E NÃO HÁ IGNORÂNCIA QUE NÃO SEJA MISÉRIA...NESTE MUNDO HÁ MUITAS MISÉRIAS QUE NÃO SÃO IGNORÂNCIAS, E NÃO HÁ IGNORÂNCIA QUE NÃO SEJA MISÉRIA...

QUANDO TUDO ACONTECEU...

1608: A 6 de Fevereiro, nasce em Lisboa António Vieira. – 1614: Aos 6 anos parte para o Brasil, com família; seu pai fora nomeado escrivão da Relação na Baía. – 1623: Aluno do Colégio dos Jesuítas na Baía, sente vocação religiosa. – 1624: Os holandeses ocupam a cidade; os jesuítas, com Vieira, refugiam-se numa aldeia do sertão. – 1633: Prega pela primeira vez. – 1635: É ordenado sacerdote, é Mestre em Artes e exerce a função de pregador. 1638: Pronuncia nos anos seguintes alguns dos seus mais notáveis Sermões. – 1641: Parte para Portugal na embaixada de fidelidade ao novo rei; é preso em Peniche no desembarque; torna-se amigo e confidente de D. João IV. – 1642: Prega na Capela Real; publica um sermão avulso. – 1643: Na "Proposta a El-Rei D. João IV "declara-se favorável aos cristãos novos e apresenta um plano de recuperação económica. – 1644: Nomeado pregador régio. – 1646: Inicia actividade diplomática indo à Holanda. – 1647: Vai a França e fala com Mazarino. – 1648: Emite um parecer sobre a compra de Pernambuco aos holandeses; defende a criação da província do Alentejo. – 1649: É ameaçado de expulsão da Ordem dos Jesuítas, mas D. João IV opõe-se. – 1650: Vai a Roma, para contratar o casamento de D. Teodósio. – 1652: Parte para o Brasil como missionário no Maranhão. – 1654: Sermão de Santo António aos peixes; embarca para Lisboa a fim de obter novas leis favoráveis aos índios. - 1655: Prega na capital, entre outros, o Sermão da Sexagésima; regressa ao Maranhão com as novas leis. – 1659: Escreve Esperanças de Portugal - V Império do mundo. – 1661: É expulso, com os outros jesuítas, do Maranhão, pelos colonos. – 1662: Golpe palaciano que entrega o governo a D. Afonso VI; desterro no Porto. – 1663: Desterro para Coimbra; depõe no Santo Ofício sobre a sua obra Esperanças de Portugal. – 1664: Escreve a História do Futuro; adoece gravemente. – 1665: É preso pela Inquisição, depois mantido em custódia. – 1666: Entrega a sua defesa ao Tribunal; é interrogado inúmeras vezes. – 1667: É lida a sentença que o priva da liberdade de pregar; D. Afonso VI é afastado do trono. – 1668: É mantido em custódia em Lisboa; pazes com Castela; é amnistiado, mas impedido de falar ou escrever sobre certas matérias. - 1669 - Chega a Roma, prega vários Sermões que lhe dão grande notoriedade na Corte Pontifícia e na da Rainha Cristina; combate os métodos da Inquisição em Portugal; defende novamente os cristãos novos. – 1675: Breve do Papa que louva Vieira e o isenta da Inquisição; regressa a Lisboa. – 1679: Sai o primeiro volume dos Sermões; recusa o convite da Rainha Cristina para seu confessor. – 1681: Volta à Baía e aos trabalhos de evangelização. – 1683: Intervém activamente na defesa de seu irmão, Bernardo. – 1688: É nomeado Visitador Geral dos Jesuítas no Brasil. – 1691: Resigna ao cargo por força da idade e da falta de saúde. – 1697: Morre na Baía, a 18 de Julho, com 89 anos.

CRISTINA E OS PREGADORES

"Demócrito ria, porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heraclito chorava, porque todas lhe pareciam misérias: logo maior razão tinha Heraclito de chorar, que Demócrito de rir; porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias, e não há ignorância que não seja miséria".

Cristina sente vontade de aplaudir a tirada oratória que acaba de escutar. Não o faz porque quer manter o tom algo solene da reunião que ela própria provocou.

António Vieira prossegue o discurso, inflamado e lógico. Ouve-o atentamente, um colega jesuíta, o padre Jerónimo Catâneo. Poucos minutos antes, este defendera o riso de Demócrito perante os males do mundo - agora, Vieira, defende o pranto e as lágrimas de Heraclito perante os mesmos males.

Ambos tinham sido desafiados por Cristina Alexandra - um advogaria o riso, outro o choro.

O salão está repleto de personalidades convocadas pela ex-rainha da Suécia para ouvirem os dois renomados oradores sagrados.

Estamos em 1674. Há cerca de 20 anos, Cristina vive em Roma depois de ter abdicado do trono sueco e de se converter ao catolicismo. O seu palácio é um pólo de atracção de artistas, intelectuais e religiosos. Tal como acontecera em Estocolmo, a rainha, dotada de grande inteligência e cultura, a que se junta uma personalidade misteriosa e controversa, continua em Roma a rodear-se das figuras mais célebres da Europa, uma das quais fora Descartes falecido, em 1650, durante a sua estada na corte nórdica. A mesma rainha que, em 1641, acolheu uma embaixada de D. João IV que tratou de modo afável, reconhecendo o rei que em 1640 subira ao trono, depois de afastar os Filipes de Espanha. ( O povo português mantém, ainda hoje, uma expressão popular, "dar vivas à Cristina" que encontra a sua origem no entusiasmo com que recebeu o beneplácito da rainha ao novo rei ).

António Vieira está na cidade desde 1669 e a sua fama de pregador chega aos ouvidos de Cristina da Suécia. Na época, António Vieira prega em italiano, a rainha escuta alguns dos seus sermões e convida-o para seu pregador.

António Vieira recusa o convite. Porque, diz, é pregador do seu rei. E porque o que o trouxe a Roma não está completado, apesar dos cinco anos que leva de permanência. Mas, no ano seguinte, consegue, junto da Curia Romana, o seu objectivo. De imediato, volta a Portugal.

O PRIMEIRO NAUFRÁGIO

O pequeno António refugia-se nos braços da mãe. Vai agoniado. A caravela que transporta a sua família em direcção a S. Salvador da Baía no Brasil, balouça descontrolada na violência tempestuosa do mar. A bordo, como era comum na época, as condições são péssimas. Mal se dorme, tal a quantidade de parasitas de todo o género de que o barco está infestado. Mesmo na coberta os ratos disputam ruidosas correrias, enfiando-se nos espaços mais ínfimos. A água doce já está imprópria para consumo, sai verde e com cheiro nauseabundo. O peixe em salmoura e as carnes salgadas com que todos se alimentam estão prestes a apodrecer. Quase diariamente, a caravela é abalada pela movimentação dos marinheiros e das velas, tentando escapar à perseguição dos piratas holandeses. Não há a menor privacidade - passageiros e tripulação amontoam-se nos exíguos espaços disponíveis. E a viagem é longa, aproximadamente dois meses.

Já à vista da costa brasileira a embarcação estremece fortemente da popa à proa, tudo se parte no seu interior, o cavername parece ir despedaçar-se. É uma noite negra, povoada de faíscas e trovões, o mar revolta-se, os passageiros choram e gritam, acendem-se lanternas no negrume, o capitão dá ordens tonitruantes, nos porões os homens procuram detectar algum rombo. A caravela está encalhada nos baixios arenosos e vai adornando para estibordo. Pensa-se no pior.

Na manhã seguinte, o pequeno António solta-se da mãe. Quer ver tudo, saber como se safará a caravela. O dia amanhece com o sol em brasa, vêem--se, em frente, as florestas brasileiras, banhadas de luz dourada. Um batel puxado por remadores, consegue desencalhar o barco. Enfunadas as velas, dirige-se para o Sul e nos fins de Janeiro de 1615 aporta à Baía.

É aí que vai desembarcar a família Ravasco. O pai, Cristóvão Ravasco, a mãe Maria de Azevedo e os dois filhos, António de seis anos e o irmão mais novo, Bernardo. Tinham saído de Lisboa a 16 de Dezembro de 1614.

O futuro Padre António Vieira jamais esquecerá esta viagem penosa. Ora no sentido Portugal-Brasil, ora no de Brasil-Portugal, fá-la-á mais vezes e, praticamente em todas elas, sofrerá um naufrágio.

A VOCAÇÃO

A 6 de Fevereiro de 1608 nasce António Vieira, na freguesia da Sé, em Lisboa. O pai, de origem modesta, provavelmente com ascendência africana, é destacado como funcionário para a Relação da Baía. Melhorava de vida e fugia à opressão filipina. António é baptizado na Sé, segundo parece na mesma pia baptismal em que o fora Fernando Bulhões, o famoso Santo António de Lisboa, por quem o futuro pregador jesuíta sempre manifestará grande admiração e devoção.

Logo à chegada à Baía, António é atacado de uma doença tropical e fica às portas da morte. Por milagre de Santo António ou da Senhora das Maravilhas, venerada na Sé da Baía, salva-se.

Na cidade e em todo o Brasil tem fama o Colégio da Companhia de Jesus. É nele que Cristóvão Ravasco inscreve o filho. Submetido à dura disciplina jesuíta, António não teve os pequenos prazeres da infância. Os educadores, de breviário e palmatória nas mãos, impuseram-lhe um tempo sombrio, acrescentado das constantes orações e do estudo forçado em silêncio absoluto.

Mas, no percurso de casa para o colégio, o jovem vai contactando com a realidade efervescente de uma cidade em plena expansão. É assim que vê os índios escravos, em plena rua, carregando e descarregando fardos, sob o chicote dos capatazes.

Não foi, de início, aluno brilhante. De compleição frágil, pálido, magro, grandes olhos, nariz fino, não se sente talhado para intensos esforços escolares. É, porém, de temperamento enérgico, tenaz. E, subitamente, por volta dos catorze anos, os jesuítas começam a descobrir-lhe a inteligência, a inesperada queda para escrever bem português, a facilidade com que domina o latim. Revela-se, igualmente um crente fervoroso, jejua todos os dias, reza, comunga, mas não se excede em fanatismos - conhece, todavia, em grau elevado as Escrituras, sobretudo as partes referentes aos Profetas que lhe suscitam enorme atracção.

Aos quinze anos, segundo ele próprio escreve, após ouvir um Sermão em que o pregador evoca as penas do inferno, sente-se tocado pela vocação. Quer professar, ser jesuíta. Opõe-se o pai, com veemência. Mas a 5 de Maio de 1623 foge de casa e pede asilo aos padres da Companhia de Jesus. Cristóvão Ravasco resiste quanto pode - mas não pode contrariar a autoridade e força dos jesuítas. Cede.

António Vieira redobra o seu interesse pelos estudos, passa a ser o melhor aluno em todas as disciplinas. Aos dezasseis anos encarregam-no de redigir em latim o relatório anual da província jesuíta que deverá ser enviado ao Geral da Companhia. Aos dezoito anos é nomeado professor de retórica no Colégio de Olinda.

Mas não são estes os sonhos do jovem. Mais do que para a reflexão, sente-se tocado pelo desejo de acção: quer ser pregador, missionário, apóstolo, converter os incrédulos, combater o erro e trazer para a fé católica os índios do interior.

Em princípios de 1624 os holandeses atacam a Baía, tomam-na, saqueiam a cidade, violam as mulheres indígenas. Os brancos fogem para o sertão. Os jesuítas fazem o mesmo.

E eis António Vieira numa aldeia, em contacto directo com os índios, aprendendo-lhes as línguas, conhecendo-lhes os costumes, admirando o modo de vida, colocando-se a seu lado para os defender de todos os vilipêndios, torturas e humilhações. Está onde sempre desejou.

Ver-se-á que esta vocação juvenil se manterá por toda a vida. Mas, durante dezenas de anos, o apelo da acção, da intervenção no mundo, sofrerá uma radical mudança de rumo.

ÊXITOS E FRACASSOS NA POLÍTICA

António Vieira propõe que Portugal "compre" Pernambuco. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

Uma assuada tremenda do povo de Peniche espera a caravela que traz António Vieira a Portugal. Tem 33 anos quando regressa à terra natal. É um homem razoavelmente alto, magro e pálido, flexível e nervoso, cabelo, olhos e barba escuros, fronte ampla, lábio grosso, que irradia segurança e afabilidade. Porque está de novo na metrópole, 27 anos depois de ter embarcado para o Brasil? Porque é recebido em Peniche por um autêntico motim? Esteve prestes a ser ferido pela multidão colérica. Consegue, todavia, refugiar-se na Casa da Companhia. De resto, a aportagem a Peniche foi um desvio de rota da embarcação, assaltada por uma tempestade que a obriga a afastar-se do Tejo.

António Vieira é, nesse ano, de 1641, um prestigiado jesuíta, pregador popular no Brasil, missionário apaixonado e amado pelos índios da aldeia do Espírito Santo. Disse a primeira missa em 1635, é irmão professo da sua Ordem, mestre de Teologia no Colégio de S. Salvador, lutador contra os sucessivos ataques dos holandeses às possessões portuguesas no Brasil, célebre por um sermão proferido na Baía, contra Deus, que abandonara os católicos para se pôr ao lado dos hereges neerlandeses - uma das suas mais extraordinárias orações (Sermão pela vitória das nossas armas contra a Holanda).

A 15 de Fevereiro de 1641 chega à Baía uma caravela que traz a espantosa notícia: a 1 de Dezembro do ano anterior a dinastia filipina fora apeada, D. João IV era o monarca de um Portugal restaurado. O então vice-rei do Brasil, D. Jorge de Mascarenhas, marquês de Montalvão, acolhe a informação com entusiasmo, adere ao novo rei, coloca a colónia sob a autoridade do Restaurador. Não sabe, ainda, o marquês que, em Portugal, dois dos seus filhos se posicionam contra D. João IV, passam para o lado espanhol, a sua própria mãe é aprisionada no Castelo de Arraiolos. Um outro filho do vice-rei está no Brasil, ao lado do pai. Conhecida a adesão em todo o território ao novo regime, o marquês decide enviar a Lisboa esse filho para garantir ao rei a fidelidade. A comitiva de D. Fernando Mascarenhas é constituída pelos dois jesuítas mais considerados: Simão de Vasconcelos e António Vieira.

Quando a caravela, desconjuntada pelo temporal, arriba a Peniche, a população apenas sabe que nela viaja um filho do vice-rei. Tomando-o como conivente com os irmãos recebe-o em tumulto e só a autoridade do conde de Atouguia, comandante da praça e um dos conjurados de 1640, evita que D. Fernando e os dois jesuítas sejam linchados pela turba enfurecida.

Dois dias depois, António Vieira está em Lisboa.

Por essa altura, a actividade diplomática de Portugal no exterior não cessa. D. João IV envia embaixadores pela Europa para obter reconhecimento e apoios na guerra que trava contra os espanhóis.

Vieira que, a pouco a pouco, se torna íntimo do rei, francamente cativado pela personalidade do jesuíta, profere alguns sermões que lhe granjeiam em Lisboa a mesma fama que alcançara no Brasil.

Em 1642, D. João IV alarmado pelas enormes despesas da guerra, decide lançar novos impostos. Levanta-se enorme querela: as classes populares exigem que a nobreza e o clero contribuam em igual proporção. A discussão era acalorada e o problema parecia não se resolver. Lembra-se o rei da capacidade oratória de Vieira. Convida-o a proferir um sermão em que o padre abordasse a questão dos tributos. António profere uma notável prédica, um dos sermões de Santo António, na Igreja das Chagas de Lisboa. Nele desenvolve uma brilhante teoria sobre os impostos e apazigua o conflito.

Desse momento em diante, o filho de Cristóvão Ravasco estará por detrás das decisões reais. A sua vasta cultura permite-lhe opinar sobre tudo.

Andava a guerra com Espanha por maus caminhos, envolta em contradições estratégicas. Aí temos António Vieira, a rogo do rei, a emitir um parecer puramente militar: a doutrina sensata para conduzir as operações devia ser a guerra defensiva "porque primeiro se deve assegurar a conservação do próprio, e depois, se for conveniente, se poderá conquistar o alheio". Para ele uma guerra ofensiva seria desastrosa. Assim se fez e talvez se deva a este conselho a vitória nas hostilidades.

Vieira quer repor Portugal na sua antiga grandeza. O rei nomeia-o pregador régio. O jesuíta torna-se o seu homem de confiança.

Não tardará muito que o padre gize para Portugal um plano de recuperação económica. Era urgente o desenvolvimento do comércio. Há que isentar de impostos os bens móveis dos comerciantes; há que fundar um banco comercial e duas companhias comerciais, tal como já tinham feito os holandeses; há que abrir o comércio às nações neutrais ou amigas; há que agraciar os comerciantes com títulos de nobreza, entre outras medidas, avançadas para o tempo português.

Mas a principal proposta, que lhe vai valer ódios, era a de se abolirem as distinções entre cristãos velhos e cristãos novos e de atraírem a Portugal os capitais dos judeus fugidos do país. Para tal, teria de se reformar a Inquisição.

Esta teoria mercantilista de instalação de um sistema económico baseado na burguesia capitalista agrada ao rei. Mas é combatida pela nobreza, receosa da perda de privilégios e pelas duas ordens religiosas mais importantes. Os dominicanos jamais aceitariam a aproximação aos hebreus - perderiam as suas principais vítimas nas prisões inquisitoriais.

Os próprios jesuítas vão opor-se a Vieira. Primeiro porque ele obtivera, por si só, o valimento do rei, sem nisso envolver a congregação; depois porque as teorias do padre, a serem confirmadas pelos seus confrades, concitariam o furor da Inquisição contra a ordem de Inácio de Loyola. Ordenam-lhe, em 1644, que regresse ao Brasil. O rei impede que a ordem se cumpra. Ameaçam-no com a expulsão, o que seria colocá-lo nas mãos do Santo Ofício. De novo, o rei se opõe e oferece a Vieira um bispado. Recusa-o. Ele é, diz, um humilde membro da Companhia de Jesus e assim quer morrer. Por um momento, para não desagradar ao monarca a Companhia suspende a expulsão.

A Inquisição, porém, vai segui-lo, obstinadamente, até o apanhar.

António Vieira continuará a defender os cristãos novos, no púlpito, em memoriais que entrega ao rei. O seu plano económico teve de ser minimizado: apenas se constituiu a Companhia de Comércio do Brasil.

Em 1646, D. João IV envia-o, secretamente, a França e à Holanda. O apoio dos gauleses na guerra com a Espanha era insuficiente e o da Holanda, pérfido. De facto, no Brasil, os holandeses continuavam os ataques para ocuparem as posições portuguesas. São más as notícias que Vieira traz: em França governa o cardeal Mazarino cuja visão tímida atrasa os auxílios, com receio de Castela; na Holanda, o apoio joga-se a troco de cedências no Brasil, sobretudo Pernambuco. Vieira contacta os riquíssimos comerciantes judeus, descendentes dos que D. Manuel expulsara. Mostram-se interessados no investimento comercial. Mas em Portugal a Inquisição mantém a perseguição aos cristãos novos, com redobrado furor. Entretanto, em Vestefália a Holanda e Castela assinam um tratado de paz.

António Vieira regressa a Portugal em 1648, depois de declinar a nomeação para embaixador na Haia. Comete, logo a seguir, um grande erro. Num documento que apresentou ao rei, elaborado de forma tão bem deduzida e argumentada que ficou conhecido como papel forte, propõe que Portugal compre Pernambuco aos holandeses. O jesuíta, que tão bem conhecia o Brasil, os colonos e os nativos, não acreditou na sua capacidade de resistência aos invasores, o que veio a acontecer.

O estado da guerra com Castela atinge um ponto crítico. As armas portuguesas estão debilitadas. Receia-se uma invasão maciça pelo Alentejo. Teme-se o colapso do exército português. Mais uma vez, D. João IV recorre a Vieira. Só uma acção diplomática poderá pôr termo à contenda.

É então que o jesuíta, fértil de imaginação, vai engendrar um plano mirabolante.

O QUINTO IMPÉRIO

Há muito António Vieira escreve em segredo um livro sobre o V Império, inspirado pelas profecias bíblicas, mas em que o Bandarra se integra, tal o apreço em que Vieira o tem. O velho sonho: dar a Portugal a sua grandeza antiga.

Estudando profundamente as Escrituras e todos os Santos que falam do imperador que Jesus prometera à Igreja, o jesuíta está firmemente convencido que o V Império só pode ser português (os anteriores tinham sido o dos assírios, o dos persas, o dos gregos e o dos romanos).

Baseado nas palavras de Jesus ao rei Afonso Henriques na batalha de Ourique (na época, uma verdade incontestada), "quero em ti e na tua geração criar um império para mim", António Vieira crê que o rei escolhido é o Encoberto, até aí D. Sebastião. Perdida essa esperança, o pregador interpreta a linguagem vaga e esotérica das profecias para concluir que esse rei é agora D. João IV. O Quinto Império seria de ordem temporal e espiritual. Em ambos os campos, Portugal seria o guia para que se extirpassem as seitas infiéis, se reformasse a cristandade, se estabelecesse a paz em todo o mundo, através de um Sumo Pontífice santíssimo.

Esta construção ideal de António Vieira, prodígio imaginativo e delirante, começaria a tornar-se realidade se o príncipe herdeiro português casasse com a herdeira do trono castelhano. Iniciar-se-ia o Império, com Castela e Portugal sob o mesmo rei. Com novas e confusas efabulações António Vieira transfere o Encoberto para o príncipe D. Teodósio.

O rei é seduzido pelo plano. Envia Vieira a Roma para os primeiros contactos com o embaixador espanhol na cidade papal. Mas o diplomata não rejubila com a proposta. Vê nela um ardil que desconhece.

O Conde-duque de Olivares que governa Espanha fica, igualmente de pé atrás. Sabe que Vieira, nos anos anteriores andara por França e Holanda a intrigar contra os castelhanos. A sua visão curta não detecta o ponto fraco do plano português: obviamente, a aliança colocaria Portugal na dependência de Espanha, tal a diferença de poderio entre as duas nações. Pensa que a proposta revela a fraqueza das armas portuguesas e decide usar a força para derrubar D. João IV. Saiu-se mal, como o provou a História.

Mas Vieira levava uma missão sigilosa: apoiar os napolitanos, então sob o domínio de Castela, na sua revolta. O embaixador espanhol descobre a intenção e manda matar o jesuíta que escapa à morte por ter sido avisado a tempo. O plano falhava totalmente. Regressa a Portugal em 1649 - o ano em que o padre jesuíta Martim Leitão o denuncia à Inquisição, pela primeira vez.

Em Lisboa, os muitos inimigos de Vieira conspiram contra ele junto do rei já desagradado com a falta de previsão no caso de Pernambuco e agora com o malogro do casamento. Aparentemente, porém, as relações entre D. João IV e Vieira mantém-se inalteráveis. Até que, em Novembro de 1651, D. Teodósio, de quem o padre era preceptor, resolve, sem conhecimento nem autorização do pai, fazer uma incursão pelo Alentejo para tomar contacto com a guerra que ali se encarniça. Atribui-se a Vieira a instigação de tal atitude. E D. João IV afasta-o, delicadamente, do seu convívio.

É o momento que a Companhia de Jesus espera: em Novembro de 1652 ordena-lhe que regresse ao Brasil, como missionário no Maranhão.

Desta vez, o rei nada faz para contrariar a sua partida.

EM LUTA CONTRA OS COLONOS

As tempestades e os ataques dos corsários, mais uma vez, tornam a viagem de Vieira, um calvário. Mas dor maior é a que leva - perdeu a estima do rei, fracassou em algumas das suas iniciativas políticas, aumentou o número de inimigos, tanto na Igreja como na Corte. Tudo o que fizera tinha o prestígio e o desenvolvimento de Portugal como meta. Homem de invulgar inteligência, cometeu um grave erro: supôs que os outros eram dotados de igual inteligência e o compreenderiam. Por um lado, vai destroçado, por outro, invade-o grande alegria: retorna à sua vocação de missionário. À medida que se aproxima da ilha de Maranhão a sua alma renova-se. Tem à vista as paisagens amadas da juventude, o luxuriante Brasil. O desterro é, a pouco e pouco, esquecido.

Mas, breves dias depois, dá conta do caos moral das gentes de Maranhão, sobretudo dos brancos, apenas preocupados com enriquecimento sem regras, dissolutos, impiedosos. Os índios vivem na maior das misérias e à mercê dos colonos. Logo nos primeiros sermões ataca violentamente a licenciosidade dos costumes e o odioso regime da escravatura que, lá de longe, denuncia ao rei. Tenta incursões no interior, as entradas no sertão, para proteger os indígenas e os negros que começam a vir de África. Consegue apenas a animosidade e o ódio das autoridades oficiais e dos colonos. De nada adiantam os relatórios para Lisboa narrando os crimes que presencia. Mas, com a energia de ferro que sempre caracterizou o seu corpo frágil e enfermiço, desenvolve uma enorme actividade procurando minorar o sofrimento dos mais infelizes, visita os presos, funda um hospital, reparte a sua alimentação, catequiza, fulmina o vício e a luxúria. Escreve, escreve sempre. Tem pronto a terminar um livro, Esperanças de Portugal que envia ao seu amigo André Fernandes, bispo do Japão. Nesse texto, retoma a questão do V Império, imaginando, reformulando, adaptando as profecias.

Embora a Companhia, ali no Brasil, o apoie, pouco pode contra os interesses instalados. O feudalismo rural, fundamento da estrutura económica do Brasil, estava a ser solidamente implantado - e, para tal, os escravos seriam pedras basilares.

Talvez os jesuítas se não tenham apercebido o quanto de inelutável havia na caminhada económica do Brasil - os índios fugiam para o sertão, mas chegavam os negros em quantidades inenarráveis.

António Vieira concebe outra quimera, desta vez em acordo com os companheiros jesuítas: irá, de novo, a Portugal, por pouco tempo. O tempo apenas necessário para, com a sua eloquência, convencer o rei a ditar os decretos que ponham fim ao descalabro moral e social por que o Brasil enveredara.

Antes, porém, na catedral de S. Luís irá pronunciar o seu mais belo sermão, o de Santo António aos peixes - alusão parabólica ao estado das coisas na colónia.

Embarca, às escondidas das autoridades e dos brancos, a 17 de Junho de 1654. Só assoma à capital em Novembro depois da mais tormentosa das viagens: próximo dos Açores a nau sofre terrível tempestade e o jesuíta julga chegado o último dos seus dias; salvo da borrasca, o navio é assaltado pelos piratas holandeses que tudo saqueiam e deixam Vieira e os companheiros, sem roupas e bens nas praias da Graciosa.

DOIS AMIGOS QUE SE SEPARAM

O rei, muito doente, acolhe-o com carinho. O tempo de separação levara o monarca a avaliar melhor o padre. Reconhece-lhe todas as qualidades, perdoa-lhe os erros passados, pede-lhe insistentemente para que fique a seu lado.

António Vieira pode ser tudo o que intrigam, um lunático, um inquieto e ambicioso, um incapaz político. O rei sabe, todavia, que é um amigo leal, desinteressado, bondoso. E, perto da morte, não quer perder a sua companhia e conselho.

Na Corte, porém, odeiam-no. Pela amizade que o rei lhe dedica, pelos sermões duríssimos com que caustica a sociedade portuguesa, pela estranha mania de estar contra os poderosos desonestos e a favor do povo. Querem-no longe, lá no sertão, entre os selvagens.

Após alguns sermões em que, como sempre, António Vieira revela, a par da espantosa cultura, o sentido de justiça e a independência de carácter, D. João IV entrega-lhe o decreto em que os jesuítas passam a ter inteira jurisdição sobre os índios. Daí em diante, as autoridades locais jamais poderão intervir na missionarização, jamais poderão servir-se dos indígenas como escravos. Era o que Vieira pretendia. O rei designa André Vidal para governador do Pará e do Maranhão. André Vidal é um herói da vitória portuguesa sobre os holandeses, amigo de Vieira, sensível aos problemas dos índios e dos negros.

E, como prometera, em Maio de 1655 eis o pregador de novo no Maranhão, portador das melhores notícias. Recusa o convite do rei para ficar. Para sempre, os dois amigos separam-se. D. João IV morre no ano seguinte.

O TEMPO FELIZ E A EXPULSÃO

É prodigiosa a acção de Vieira e dos jesuítas até 1661. Visitador e superior de todas as missões, o padre está em permanente viagem pelo interior do Brasil. Foi o tempo, como ele diz, mais feliz da sua vida. Será também, no termo, o período mais difícil e perigoso. A evangelização dos índios e a sua protecção ocupam-no completamente - quase, porque algumas horas lhe sobram para iniciar a publicação dos seus sermões, agora por sugestão da própria Companhia de Jesus.

Os rancores dos colonos e roceiros dirigem-se contra os jesuítas, entre os quais Vieira é o mais combativo e enérgico. Um novo governador, nomeado após a morte do rei, vem substituir André Vidal. Com ele as relações pioram. O padre agrava o conflito. Perante a enorme massa de negros e negras que desembarcam na Baía para serem submetidos à escravidão, Vieira não se cala. Durante um mês prega todos os dias (são os sermões conhecidos como Rosa Mística, do Rosário) abordando o tema da escravatura.

Os jesuítas são acusados de obstar ao desenvolvimento económico do Brasil. Os ódios atingem o auge. Em Maio de 1661, os colonos do Maranhão assaltam a Companhia de Jesus e, logo a seguir, acontece o mesmo com a casa dos membros da Ordem em Belém. É aí que, no momento, está António Vieira. Entre insultos e agressões os jesuítas são aprisionados em várias embarcações, reduzidos à miséria e à fome.

Os amotinados decidem expulsá-los do território brasileiro. Em Setembro de 1661, todos os religiosos, incluindo Vieira, são postos na nau Sacramento e enviados para Lisboa.

Quando desembarca, o padre vem descalço, esfarrapado, doente. Ainda não sabe que na Inquisição entrara a segunda denúncia contra si.

CONDENADO AO SILÊNCIO

Os acontecimentos na capital portuguesa sucedem-se vertiginosamente. D. Luísa de Gusmão, a viúva de D. João IV, assume a regência e a tutela dos filhos menores, D. Afonso VI e o príncipe D. Pedro. Acolhe António Vieira com amizade e admiração. Reintegra-o na sua função de pregador régio. Mas na Corte fervilham as intrigas, o jesuíta é pessoa indesejada.

Em torno de Afonso VI reúne-se uma camarilha de jovens delinquentes, chefiados por António Conti, um italiano que estimula a vida devassa do futuro rei. Por outro lado, o Conde de Castelo Melhor tenta dominar Afonso VI e orientá-lo politicamente.

Vieira defende-se vigorosamente das acusações que emissários vindos do Brasil formulam contra os jesuítas. Luísa de Gusmão apoia o padre. Substitui o governador do Pará e do Maranhão. As notícias que chegam dão conta da nova situação dos índios: organizam-se autênticas caçadas para os transformar em escravos.

A guerra com Espanha prossegue. Algumas vitórias do exército português são as únicas notícias felizes da época.

Vieira, conselheiro da rainha, talvez a contragosto, reentra na política. É ele quem a convence a expulsar do país a turba que rodeia D. Afonso. Presos, são degradados para o Brasil. Mas o Conde de Castelo Melhor e outros nobres retaliam e obrigam D. Luísa de Gusmão a ceder a governação efectiva do reino ao príncipe herdeiro.

Vieira é imediatamente desterrado para o Porto. Está, agora, nas mãos da Inquisição que já pode pronunciá-lo. Do Porto enviam-no para o Colégio da Companhia em Coimbra, negando-lhe a possibilidade de regresso ao Brasil. A 1 de Outubro de 1663 o Santo Ofício manda-o recolher aos seus cárceres de custódia. Novas denúncias tinham dado entrada na Inquisição.

O jesuíta adoece gravemente. Havia uma peste em Coimbra. Crê-se que ficou tuberculoso. Cospe sangue vermelho, fazem-lhe sucessivas sangrias. No cárcere escreve a História do Futuro e consegue humorizar, em carta a D. Rodrigo de Meneses: "eu passo como permite o rigor do tempo, escarrando vermelho, que não é boa tinta para quem está com a pena na mão". Vai sendo implacavelmente interrogado pelo tribunal.

Entretanto, sucediam-se as vitórias na guerra com Castela, a mais importante a de Montes Claros. Afonso VI casa com Maria Francisca de Sabóia. O casamento não se consuma. D. Luísa de Gusmão morre em 1666.

A Inquisição levanta as acusações a Vieira: é culpado da defesa calorosa que fez dos cristãos novos, dos contactos que manteve na Holanda com judeus e calvinistas, de propugnar estranhas e heréticas teorias sobre um tal V Império. Vieira defende-se, embora admitindo algumas imputações, a que não dá, porém, qualquer importância quanto a atentado contra a fé católica.

D. Afonso VI é encarcerado em Sintra. O irmão, D. Pedro, é o novo regente.

A 23 de Dezembro de 1667, o tribunal do Santo Ofício dita a sentença condenatória do padre António Vieira: "é privado para sempre de voz activa e passiva e do poder de pregar, e recluso no Colégio ou Casa de sua religião, que o Santo Ofício lhe ordenar, e de onde, sem ordem sua, não sairá". Não o autorizam a ir para o estrangeiro para que não possa atacar a Inquisição. Em 1660 frei Nuno Vieira já antecipara esta sentença na frase que proferira: "é preciso mandá-lo recolher e sepultá-lo para sempre".

Permitem-lhe apenas que se instale no Noviciado da Ordem em Lisboa.

Em Março de 1668 fazem-se as pazes com Castela, derrotada pelas armas. D. Pedro casara com a que fora sua cunhada, após a anulação do matrimónio com D. Afonso VI.

A 12 de Junho de 1668 Vieira é libertado. Está, todavia, proibido de nos seus sermões tratar de assuntos relacionados com cristãos novos, profecias, V Império, Inquisição. Dez dias depois prega na Capela Real um sermão comemorativo do aniversário de Maria Francisca de Sabóia.

Já não é tão bem recebido na Corte. D. Pedro pende mais para os dominicanos. Não precisa de António Vieira.

Os superiores da sua Ordem enviam-no a Roma com a incumbência de promover a canonização de 40 jesuítas presos nas Canárias e martirizados pelos protestantes em 1570. Mas Vieira vai, também, por outro motivo: quer, na Santa Sé, obter a anulação total da sentença condenatória do Santo Ofício. Foi humilhado e injustiçado. Está de novo em luta. Luta que vai vencer.

Em Setembro de 1669 embarca para Roma. Demora dois meses a chegar. Novamente a viagem foi terrível, com dois naufrágios que o levaram a parar em Alicante e Marselha.

VITÓRIA SOBRE A INQUISIÇÃO

A personalidade de Vieira, a sua energia, a sua exuberância, rapidamente conquistam a cidade italiana. Por toda a parte é recebido com admiração, carinho e respeito - a prova aí está: Cristina da Suécia convida-o para pregador (mais tarde quererá que ele seja seu confessor, convite que Vieira também vai recusar, o Brasil é o seu objectivo).

Aflige-se, na correspondência privada, com o estado de Portugal. Apesar da estrondosa vitória sobre Castela, o país não progride, não é capaz de voltar à "grandeza antiga". Previa - e acertava - que, dentro em pouco, a Inglaterra e a França ir-se-iam aproveitar da fraqueza do reino para se apossaram do melhor que Portugal ainda teria no Oriente.

Desobedecendo ao que lhe impusera a Inquisição, em Roma volta a tomar posição a favor dos cristãos novos e dos judeus em quem confia para o ressurgimento do país. E pior: ataca a própria Inquisição em cartas para os amigos (bons amigos, que não o denunciaram).

Desdobra-se em vários contactos para, na Sé apostólica, pôr em cheque os métodos inquisitoriais e envia ao Papa um memorial acerca do assunto. O farisaísmo do Santo Ofício. ("por aqui se diz que em Portugal é melhor ser inquisidor do que rei", escreve) cria uma péssima reputação a Portugal. Mas D. Pedro II está dominado pelos dominicanos do tribunal e receia-os. O Papa, porém, mostra-se receptivo. O processo de Vieira é reanalisado. Os revisores espantam-se. Como foi possível condenar quem deveria ser louvado? Terá dito Vieira: "ouviu-me quem me não entendeu e sentenciou-me quem me não ouviu".

Até que o Papa, num breve, isenta o padre António Vieira "perpetuamente da jurisdição inquisitorial". Poderia pregar sobre o que quisesse e apenas estava sujeito às regras da sua Ordem. O Pontífice vai mais longe: Suspende os autos-de-fé em Portugal (suspensão que foi curta).

Durante os anos de vida em Roma o padre alcança enorme prestígio. Aprende italiano para poder pregar nessa língua. Os sermões que pronuncia em terras transalpinas são de uma excepcional qualidade literária, espiritual e filosófica. A tal ponto que o Colégio dos Cardeais lhe pede para que pregue na sua presença.

A 22 de Maio sai de Roma, a caminho de Portugal. Vencera a partida com o Santo Ofício. A partir do breve papal a Inquisição não poderá tocar-lhe.

A sua saúde que, desde a meninice, é frágil, agrava-se. Com permanentes acessos de febre, olhado indiferentemente pela corte do regente D. Pedro, Vieira parte em busca de melhor clima, o do Brasil, em Janeiro de 1681.

Aproveitara o tempo em Lisboa para compilar e ultimar os Sermões, cujo primeiro volume sai em 1679.

O FIM AOS 90 ANOS

A sua vida está na recta final. Tem 74 anos. Vive na Baía.

O Papa Inocêncio XI revoga o breve do seu antecessor. Em Portugal, a Inquisição levanta contra ele toda a espécie de calúnias. O velho jesuíta pode cair, de novo, na sua alçada. No pátio da Universidade de Coimbra queimam-no em efígie com sanha insensata.

No Brasil, atacam-no através de acusações ao irmão Bernardo, então secretário de estado da Baía - opusera-se este às arbitrariedades do novo governador. Vieira intercede em defesa do familiar, é insultado e expulso violentamente do palácio do governador. A fibra de Vieira não esmorecerá e três anos depois o irmão é inocentado.

Aos 80 anos, doente, enfraquecido pelas constantes sangrias a que é submetido, o Geral da Companhia nomeia-o Visitador Geral do Brasil.

Aí está de novo o estóico padre " na estrada" e nas montanhas, a pé pelas serranias e selvas na sua tarefa de evangelização. Mas, em Maio de 1691, as forças abandonam-no e resigna ao cargo.

A debilidade, a falta de dentes, a surdez, mais tarde a perda de visão impedem-no de pregar. Pode, finalmente, morrer em paz, pensa. Não.

Ainda vai ser incriminado por, na Baía, ter tentado influenciar a votação do procurador da Ordem e por se opor a nova legislação dos índios, uma vez mais contra estes. Retiram-lhe a voz activa e passiva. Insurge-se. Apela ao Geral da Companhia, em Roma, pedindo-lhe que reveja o seu processo.

Vai ganhar mais esta batalha. A 17 de Dezembro de 1697 o Geral dos Jesuítas declara nula e sem valor a resolução que o privara de voz.

Mas António Vieira já não está entre os vivos. A 18 de Julho daquele ano, pela uma da madrugada, morre o que foi e é o maior prosador da língua portuguesa, aquele que, um dia, dissera, desalentado: "não me temo de Castela, temo-me desta canalha".