sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Rede de Universidades estudará Vieira

A criação de uma rede internacional de universidades para o estudo da obra do padre António Vieira será uma realidade a muito curto prazo, foi, ontem, anunciado pelo presidente da comissão organizadora de 2008 ano vieirino no decorrer da sessão solene dos 400 anos do nascimento do jesuíta português. Na mesma ocasião, foi também anunciado que António Vieira terá finalmente direito a estátua na cidade que o viu nascer. O monumento será erguido no Largo de São Roque, em Lisboa, que previamente será objecto de obras de requalificação.

A cerimónia, que teve como palco a Academia das Ciências, em Lisboa, contou com as presenças de Cavaco Silva, presidente da República, e dos ministros da Ciência e Tecnologia, Mariano Gago, e da Cultura, o recém-nomeado José António Pinto Ribeiro, que, pela primeira vez, marcou presença numa cerimónia pública.

Como referiu, na ocasião, o presidente da Academia das Ciências, Adriano Moreira, a quem coube as honras de abertura da sessão, "a meditação a que somos chamados nesta circunstância do centenário de Vieira e de viragem do milénio ensina uma vez mais que não são os impérios que duram, são as culturas que têm vocação de eternidade".

Adriano Moreira lembrou que Vieira ajudou a que entendêssemos que "os países, as culturas, são um futuro com passado" e que "é sobretudo a esta luz que celebramos Vieira, confiados na validade do recurso à sabedoria dos mortos talentosos".

E foi precisamente sobre essa sabedoria que incidiu a prelecção do ensaísta Eduardo Lourenço, subordinada ao tema "Vieira do Império do Verbo ao Verbo como Império". "Sou admirador, como todos vós, da obras do padre António Vieira, mas não sou o que se chama um vieirista", confessou Eduardo Lourenço. Ao longo de mais de uma hora de dissertação, o ensaísta falou do génio literário de Vieira, evocando um texto de Fernando Pessoa. Falou do assombro vocabular dos seus sermões e comparou-o mesmo a "uma espécie de James Bond jesuíta". Aludindo ao "famoso estilo de Vieira", Eduardo Lourenço afirmou que, "muito provavelmente, ele recebeu a impregnação do texto bíblico, essa espécie de geometria ideal onde tudo nasce certo como se fosse uma geometria da ordem do coração".

E falando dos seus sermões, o autor de "Labirinto da saudade" referiu que "eles estão cheios de observações, de notas da sua própria vida. Se pensarmos bem, eles são uma alegoria não só universal mas do Mundo, da sociedade, da predação em que grandes comem os pequenos e os anulam".

Também o jornalista António Valdemar, da Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa, enalteceu o génio literário de Vieira, lembrando que ele "trouxe contributos inovadores, deu outro estatuto à língua". Para o jornalista, "cada sermão de Vieira é uma 'partitura linguística' e constituía um acontecimento religioso, político e mundano".

Ao falar da temporalidade e intemporalidade do padre António Vieira, o jornalista lembrou que ele "tem um discurso organizado, persuasivo, às vezes, provocador, para se apoderar do auditório. Criou um estilo que é só dele. Sem uma palavra a mais, sem uma palavra a menos; sem uma palavra que pudesse ser outra. A propriedade vocabular, o acabamento formal, a rigorosa construção frásica não reprimem os largos voos da imaginação e um dinamismo de propostas que, muitas vezes, se sucedem entre concordâncias e contradições". E concluiu dizendo que, ao celebrar o quarto centenário de António Vieira, "enaltecemos o génio que engrandeceu a língua na qual dizemos uns aos outros o que nos une e o que nos distingue".

Já o presidente da República, que encerrou a sessão, evocou a "actualidade" com que António Vieira "continua a surgir aos nossos olhos". Para Cavaco Silva, "tal como acontecia há 400 anos, a diversidade dos povos e civilizações precisa hoje, porventura ainda mais, de políticos e mediadores como Vieira, que acreditem realmente no valor da pessoa humana e sejam suficientemente inspirados para estabelecer as pontes que levem à paz". E concluiu o chefe de Estado "Podemos e devemos acreditar nas nossas potencialidades enquanto nação que possui uma história de oito séculos, uma história que pode, por isso mesmo, ser também uma história do futuro".

(MÁRIO CRUZ - AGÊNCIA LUSA 7.2.08)